Num centro espírita famoso e muito
frequentado, senhor Raimundo estava iniciando os trabalhos de desobsessão. Seu
Raimundo, como bom doutrinador espírita há mais de 30 anos, fez uma prece de
abertura e pediu a Jesus que ajudasse a libertar todos os irmãos que viessem a
sala de desobsessão do sofrimento que atravessavam.
Raimundo viu o médium incorporar um espírito
que dizia estar no umbral, sofrendo muito por conta da raiva e mágoa que sentia
de um desafeto. Senhor Raimundo iniciou então os procedimentos da desobsessão
clássica e disse que o espírito deveria perdoar o desafeto, pois a lei do amor
é a nossa salvação.
O espírito incorporado, com olhar
penetrante, disse:
– E porque devo confiar em você?
– Ora meu irmãozinho – disse Seu Raimundo –
Estamos aqui num centro espírita, onde os ensinamentos de Jesus são praticados.
Nós aqui ajudamos todos os espíritos sofredores e necessitados.
– E você também ajuda a si mesmo, ou só
pensa em ajudar os outros? Perguntou o espírito. Seu Raimundo ficou surpreso
com pergunta, mas como doutrinador experiente sabia que não podia cair nas
artimanhas dos obsessores, e disse:
– Irmão… não estamos aqui para falar de mim.
Você está no umbral e precisa de ajuda. Você não quer sair do umbral?
– Sim, eu quero. – disse o obsessor – Eu só
fico me perguntando como existem tantas pessoas vivendo no nível ou no estado
umbralino e não percebem, mesmo estando encarnados. Pois afinal, como o senhor
mesmo ensina em suas palestras aqui no centro, o umbral é um estado de
consciência e não um lugar ou espaço físico. Alguns espíritos vivem no umbral
porque não conseguem se desprender da raiva e mágoa que sentem de um desafeto.
Mas o senhor, seu Raimundo, perdoa todas as pessoas? Não sente também raiva e
mágoa de alguém?
Senhor Raimundo estava ficando irritado com
o obsessor. Estava pensando numa resposta, mas o espírito completou:
– Não é verdade que o senhor também sente
raiva e mágoa da sua ex-esposa, que te traiu com um dos seus amigos há
aproximadamente 10 anos? Não é verdade que até hoje você não consegue
perdoa-los?
Senhor Raimundo ficou assustado com aquelas
colocações. “Como o espírito poderia saber disso?” pensou. Começou a sentir
raiva do obsessor, e não muito confiante, disse:
– Não vou entrar na sua cilada. Você como
obsessor experiente deve atacar as pessoas em seus pontos fracos. Portanto,
saiba que…
– Eu sou um obsessor, senhor Raimundo? –
perguntou o espírito interrompendo seu Raimundo. – Eu me pergunto se todos nós
não somos um pouco obsessores das pessoas que dizemos amar, mas que no fundo as
tentamos controlar e ganhar seu afeto a força. Não é verdade que você tem sido
quase um obsessor da sua filha adolescente? Quantas vezes por dia você liga pra
ela perguntando onde ela está? Quantas vezes você proibiu os namoros dela?
Quantas vezes você tolheu a liberdade da sua menina por conta dos próprios
medos e incertezas que guarda em seu íntimo? Você pode estar sendo um grande
obsessor encarnado dela e nem perceber…
Seu Raimundo ficou atônito com aquelas
revelações. Aquele espírito parecia saber tudo a seu respeito, e estava ali
desnudando seus defeitos um a um. Seu Raimundo ainda não queria dar o braço a
torcer e ficou com mais raiva. Resolveu fazer uma oração, dizendo:
– Senhor Jesus, peço que sua equipe conduza
esse irmãozinho perturbado a um local de tratamento no plano espiritual. O
espírito disse:
– Por que me chamas de irmãozinho, se nesse
momento você quer, na verdade, pular no meu pescoço? De que adianta fazer uma
oração a Jesus com toda essa raiva que quase transborda de você? Não, Jesus não
vai te atender nesse momento… Você precisa, Seu Raimundo, parar de fugir dos
seus problemas e emoções, olhar para as impurezas do seu ser, e parar de achar
que é o outro sempre o sofredor e você é o “salvador”. Na verdade, todos nós
precisamos de ajuda, todos somos sofredores em maior ou menor grau. E orientar
o outro a praticar aquilo que nós mesmos não realizamos em nossa vida é, nada
mais nada menos, do que hipocrisia. É da hipocrisia que o ser humano precisa se
libertar… Ensinar aquilo que pratica, ou apenas praticar, sem precisar orientar
os outros a fazer aquilo que nós mesmos não fazemos. Quando se vive a vida
espiritual, nem precisamos ficar ensinando-a a outros, nossos atos já
demonstram os princípios que desejamos transmitir…
Seu Raimundo sentiu uma imensa vontade de
chorar e desabou em
prantos… O espírito incorporado veio falar com ele. Colocou
as mãos em seu ombro e disse:
– Calma meu irmão. Você precisava dessa
terapia de choque para poder enxergar a si mesmo e parar de ver os defeitos apenas
nos outros. Precisava também parar de se ver como o “salvador” e os outros como
“sofredores”, pois isso nada mais é do que uma forma de orgulho e soberba; é
uma forma de se sentir superior e de ver os outros como inferiores. Chore,
coloque tudo isso que você sente para fora, faça uma revisão desses pontos que
eu te apresentei, e a partir de agora você poderá se tornar um verdadeiro ser
humano, renovado, e pronto para ajudar ao próximo, realizando a verdadeira
caridade… E dessa vez, sem hipocrisia.
Seu Raimundo, após alguns minutos de choro
intenso, olhou para o espírito e perguntou:
– Quem é você?
O espírito olhou para seu Raimundo com todo
o amor e carinho e disse:
– Meu filho, você não pediu a Jesus, em sua
prece de abertura dos trabalhos, que libertasse os espíritos dessa sala do
sofrimento? Então meu filho, Jesus me pediu que viesse aqui e mostrasse tudo
isso a você, para que você pudesse ver a si mesmo, saísse do “umbral” de sua
mente, e se libertasse de tudo aquilo que te causa sofrimento. Sou um enviado
de Jesus, e a partir de agora, você será um novo homem…
Seu Raimundo chorou ainda mais. Agradeceu
imensamente a Deus e a Jesus aquela sagrada lição de autoconhecimento… Depois
desse episódio, tornou-se uma pessoa muito melhor…
Autor: Hugo Lapa
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