O
Médico dos Pobres
Gilberto
Schoereder
Mais do que um dos
nomes mais conhecidos do Espiritismo no Brasil, Bezerra de Menezes passa para a
história como um exemplo de devoção ao próximo. Hoje em dia, mais do que nunca,
um exemplo que deve ser observado com muita
atenção.
Bezerra de Menezes foi
chamado de "o Kardec brasileiro", "o médico dos pobres", lutou pelos direitos e
liberdades dos espíritas, foi uma das personalidades públicas mais conceituadas
do Brasil na segunda metade do século 19, e conseguiu dar uma nova orientação e
ânimo ao Espiritismo no país.
O resultado de sua obra
se estende até esse início de século 21, com a multiplicação de centros e
comunidades espíritas que carregam, mais do que o seu nome, sua postura diante
da vida e o esforço em ajudar o próximo sem esperar qualquer tipo de
recompensa.
Adolfo Bezerra de
Menezes Cavalcanti nasceu em Riacho do Sangue , no Ceará,
em 29 de agosto de 1831, descendente das primeiras famílias que vieram do sul
para povoar o Ceará. Começou seus estudos na escola pública em 1838 e, em 1842,
foi para o Rio Grande do Norte: sua família teve de se transferir por motivos
políticos, uma vez que eram liberais e estavam sendo perseguidos. Retornou ao
Ceará em 1846, completando seus estudos em
Fortaleza.
Bezerra de Menezes foi
para o Rio de Janeiro em 1851 e, a partir de novembro de 1852, entrou como
interno no Hospital da Santa Casa de Misericórdia, auxiliando o dr. Manoel
Feliciano Pereira de Carvalho, famoso cirurgião da época. Com dificuldades
financeiras até para pagar seu aluguel, Bezerra contou que, certo dia, ao
baterem à sua porta, ele imaginava que seria o senhorio cobrando o aluguel que
ele não poderia pagar. No entanto, era um jovem que o procurava para ter aulas
de matemática, uma matéria que Bezerra não suportava. O jovem lhe deixou um
pagamento adiantado, e marcou uma data para a aula. Bezerra foi à Biblioteca
Pública estudar a matéria e, ao voltar para a aula, o jovem não apareceu.
Segundo ele, nunca mais o reviu ou ouviu falar dele, mas conseguiu pagar o
aluguel. "Foi a única vez", disse Bezerra, "que estudei a fundo uma lição de
matemática, e ela me valeu de alguma coisa".
Em 1856, conseguiu
obter seu doutorado pela Faculdade de Medicina, defendendo a tese Diagnóstico do
Cancro.
Depois de sua
formatura, resolveu modificar seu nome, abandonando o sobrenome Cavalcanti.
Posteriormente, em 1857, candidatou-se ao quadro de membros da Academia Imperial
de Medicina, apresentando o trabalho Algumas Considerações sobre o Cancro,
Encarado pelo Lado do Seu Tratamento. Em 1858, candidatou-se a uma vaga na Seção
de Cirurgia da Faculdade de Medicina e, no mesmo ano, o então nomeado
cirurgião-mor do Exército, seu professor Manoel Feliciano, nomeou Bezerra de
Menezes seu assistente, com o posto de cirurgião-tenente. De
1859 a
1861, fez a redação dos Anais Brasilienses de Medicina, da Academia Imperial de
Medicina.
Posteriormente, iniciou
um período de atividades políticas que fariam com que seu nome se tornasse ainda
mais conhecido no país. Na época, ele residia e clinicava em São Cristóvão, e
foi convidado por amigos para ingressar na vida política, começando como
vereador, em 1860. Em 1867, chegou a deputado; em 1878, foi líder do Partido
Liberal, e de 1878
a 1880, presidente da Câmara
Municipal.
Encerrou suas atividades
políticas em 1885, ainda que seu nome tenha sido cogitado para senador pelo Rio
de Janeiro, pouco antes da proclamação da
república.
Canuto Abreu, um dos
mais importantes historiadores do Espiritismo no Brasil, escreveu que outra
missão o aguardava, não para que ele fosse coroado de louros, mas para que
tivesse uma tarefa ainda mais importante, servindo ao seu país de uma forma que
se mantém na memória e rende frutos até hoje.
Espiritismo
Nessa época, o
Espiritismo já começava a ter um grande destaque no país, e cada vez aumentava o
interesse pelo assunto, atraindo mais e mais pessoas. Assim, em 1875 surgia a
primeira edição brasileira de O Livro dos Espíritos, traduzido por Joaquim
Carlos Travassos, que ofereceu um exemplar ao dr. Bezerra de Menezes. Segundo
consta, Bezerra relatou o seguinte, ao ler o texto: "Lia, mas não encontrava
nada que fosse novo para meu espírito. Entretanto, tudo aquilo era novo para
mim! Eu já tinha lido ou ouvido tudo o que se achava em O Livro dos Espíritos.
Preocupei-me seriamente com este fato maravilhoso e a mim mesmo dizia: parece
que eu era espírita inconsciente, ou, como se diz vulgarmente, de
nascença".
Ao mesmo tempo em que
entrava em contato com o Espiritismo, Bezerra de Menezes continuava seu trabalho
como médico, destacando-se por sua postura humanista, atendendo pessoas sem
condições de pagar o tratamento e até mesmo indigentes. No livro Lindos Casos de
Bezerra de Menezes (LAKE), de Ramiro Gama, essa postura do "médico dos pobres"
fica bem clara num texto em que ele fala sobre a atitude ideal de um médico: "O
médico verdadeiro é isto: não tem o direito de acabar a refeição, de escolher a
hora, de inquirir se é longe ou perto. O que não acode por estar com visitas,
por ter trabalhado e achar-se fatigado ou por ser alta a noite, mau o caminho e
o tempo, ficar perto ou longe do morro; o que sobretudo pede um carro a quem não
tem com que pagar a receita, ou que diz a quem lhe chora à porta que procure
outro – esse não é médico, é negociante da medicina, que trabalha para recolher
capital e juros dos gastos da formatura".
A adesão pública ao
Espiritismo surgiu em 1886, com sua filiação à Federação Espírita Brasileira, e
com um famoso discurso proferido no dia 16 de agosto daquele ano, no salão da
Guarda Velha. Alguns pesquisadores afirmam ainda que, com o pseudônimo de Max,
ele começou a escrever para o jornal O Paiz em 1886; outros dizem que foi no ano
seguinte. O mais importante, no entanto, é que os textos de Bezerra de Menezes
chegam a ser considerados entre os mais importantes estudos filosóficos e
doutrinários do Espiritismo no país, além de defenderem a doutrina de uma série
de ataques que começava a sofrer.
Federação
Espírita
Após passar por uma
séria provação em 1888, quando perdeu dois filhos, Bezerra de Menezes aceitou a
presidência da Federação Espírita do Brasil no ano seguinte, num momento
em que a
Federação passava por maus momentos. Grupos diferentes
discutiam os rumos do Espiritismo, divididos entre os chamados "místicos" e os
"científicos". O que ele fez foi um trabalho de conciliação e harmonização dos
ideais espíritas, realizando uma reformulação no Espiritismo brasileiro. No
mesmo ano, atuava como presidente da Casa de Ismael, iniciando o estudo de O
Livro dos Espíritos, realizando sessões semanais também na
FEB.
Em 1890 e 91 foi
vice-presidente da FEB, época em que também traduziu o livro Obras Póstumas, de
Allan Kardec. Mas foi uma época em que Bezerra de Menezes esteve mais afastado
da Federação, dedicando-se mais ao Grupo Ismael e aos estudos de Kardec e
Roustaing.
Já ao final de
1891, a
FEB passava por divergências internas e ataques externos abalando o Espiritismo,
situação agravada pela instabilidade política do país, que ampliava a divisão
entre os espíritas. Essa situação se estendeu até 1895, quando as finanças da
entidade já estavam bastante prejudicadas. Assim, a pedidos, Bezerra voltou a
assumir a presidência, cargo que estava vago, sendo considerado o único espírita
capaz de reverter a situação.
Com sua postura nada
ambiciosa e desapegada das coisas materiais, Bezerra de Menezes conquistou a
admiração de muitas pessoas, mas também teve problemas, sendo reduzido à pobreza
em 1892. Mas não abandonou a luta em favor do Espiritismo ,
escrevendo sua seção dominical de O Paiz, artigos para o Reformador, e romances.
Segundo alguns historiadores, Bezerra manteve-se como uma das poucas, senão a
única voz a defender o Espiritismo no país, nessa época
conturbada.
Ele se manteve como
presidente da FEB até desencarnar, no dia 11 de abril de 1900. Deixou como
grande alteração a orientação evangélica da Federação, recomeçando o estudo
sistemático de O Livro dos Espíritos, realizando sessões públicas, e atraindo
cada vez mais pessoas e conquistando um respeito crescente para o
Espiritismo.
Não é por acaso que
chegou a ser chamado de "o Kardec brasileiro", e sua obra mais consistente – e
que encontra paralelos ainda hoje, em inúmeras obras assistenciais –, foi a que
se refere à ajuda aos pobres e necessitados, não pensando duas vezes na
prestação de serviços e em dividir o pouco que
possuía.
No mundo extremamente
materialista em que vivemos nesse início de século, é um exemplo que deve sempre
ser seguido.
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