Rodolfo
Calligaris
"Tendo
atravessado o mar, desembarcaram no país dos gerasenos e, mal Jesus descera da
barca, veio ter com ele um homem possuído do espírito imundo, homem esse que
ninguém conseguia dominar nem mesmo com correntes, pois muitas vezes estivera
com ferros aos pés e preso por cadeias, os quebrara. Vivia dia e noite nas
montanhas e as sepulcros, a gritar e a flagelar-se com pedras. Ao ver Jesus, de
longe, correu para ele e o adorou, exclamando em altas vozes: Que tens tu
comigo, Jesus, filho de Deus Altíssimo? Eu te suplico, não me atormentes. Isso
porque Jesus lhe ordenava:
Espírito
imundo, sai desse homem. Perguntando-lhe Jesus: como, te chamas? - respondeu:
Chamo-me Legião, porque somos muitos.
Ora, havia
ali uma grande vara de porcos pastando na encosta do monte, e os demônios
faziam a Jesus esta súplica: manda-nos para aqueles porcos, a fim de entrarmos
neles. E como Jesus lhes desse permissão para isso, os Espíritos impuros,
saindo do possesso, entraram nos porcos; toda a manada saiu a correr impetuosamente
e foi precipitar-se no mar, onde se afogou.
Os que a
apascentavam fugiram e foram espalhar na cidade e nos campos a notícia do que
se passara. Logo acorreram muitos até onde estava Jesus
e, encontrando o homem que ficara livre dos demônios sentado a seus pés,
vestido e de perfeito juízo, se encheram de temor. Ouvindo, então, dos que
presenciaram o fato, a narrativa do que sucedera ao possesso e aos porcos,
todos pediram a Jesus que deixasse aquelas terras."
(Marcos 5,1-20)
Temos aqui
um caso impressionante de possessão, cuja vítima, subjugada por uma falange de
Espíritos perversos, tornara-se o terror dos sítios em que vivia.
Pelo
relato dos evangelistas, bem podemos imaginar-lhe a terrível figura: seminu e
coberto de feridas sangrentas, olhos esfogueados, cabelos longos e em
desalinho, pedaços de corrente a lhe penderem das pernas, mais haveria de
parecer uma fera do que propriamente uma criatura humana.
Compadecido do infeliz, Jesus liberta-o de tão má influência, como que lhe restitui
de pronto a razão, o domínio de si mesmo, e, convidando-o a sentar-se junto de
si, põe-se a edificá-lo com seu verbo terno e esclarecedor, preparando-o para
que viesse a ser mais um arauto da Boa Nova, e, ao voltar para a companhia dos
familiares, ao contar-lhes que coisa estupenda o Senhor fizera por ele,
estivesse habilitado anunciar-lhes também a doutrina de Amor, e Tolerância e de
Justiça que estava sendo trazida ao mundo, cuja observância é o mais seguro
remédio contra todos os males que afligem e infelicitam a Humanidade.
Quanto aos
Espíritos obsessores, não entra nos porcos, como supuseram os circunstantes,
coisa que hoje melhor se compreende; apenas se fizeram visíveis aos suínos e
estes, espavoridos, se precipitaram do monte para baixo em tão desabalada
carreira que, não podendo estacar ao chegarem à praia, introduziram-se no mar,
perecendo afogados.
O episódio
em tela, ao mesmo tempo que ressalta o extraordinário poder de Jesus (baseado
na perfeição de seu caráter) e sua incomensurável piedade para com os
sofredores, pôs em relevo, por outro lado, a mesquinhez de muitos homens, para
os quais o interesse material a tudo sobreleva.
A cura
daquele possesso que os trazia em sobressalto deveria ser, para os gerasenos,
motivo de se regozijarem e se mostrarem agradecidos àquele que operara tal
maravilha. Ao invés disso, porém, só levaram em conta a perda de seus animais
e, receosos de novos prejuízos pecuniários, despediram de suas terras, qual se
fora um intruso indesejável, o próprio Filho de Deus que os honrara com sua
augusta presença.
Agora
meditemos.
Nós outros
não estaremos agindo, ainda hoje, de igual maneira? Não continuamos colocando
as conveniências mundanas acima dos galardões espirituais?
Conquanto
nos pese reconhecê-lo, todas as vezes que contrariamos a Doutrina Cristã,
porque seguir-lhe os preceitos nos custaria o sacrifício de algum lucro
temporal, é como se, visitados pelo Mestre, o puséssemos para fora de nossa
porta!
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