26.2.16

ABORTO - Dolorosa Perda

   Criada com mimos excessivos, a jovem desenvolveu-se na ignorância do trabalho e da responsabilidade, não obstante pertencer a nobilíssimo quadro social. (...) Desprotegida pelas circunstâncias, não se preparou convenientemente para enfrentar os problemas do resgate próprio. Sem a proteção espiritual peculiar à pobreza, sem os abençoados estímulos dos obstáculos materiais, e tendo, contra as suas necessidades íntimas, a profunda beleza transitória do rosto, a pobrezinha renasceu, seguida de perto, não por um inimigo propriamente dito, mas por cúmplice de faltas graves, desde muito desencarnado, ao qual se vinculara por tremendos laços de ódio, em passado próximo. Foi assim que, abusando da liberdade, em ociosidade reprovável, adquiriu deveres da maternidade sem a custódia do casamento. Reconhecendo-se agora nesta situação, aos vinte anos, solteira, rica e prestigiada pelo nome da família, deplora tardiamente os compromissos assumidos e luta com desespero, por desfazer-se do filhinho imaturo, o mesmo comparsa do pretérito a que me referi; esse infeliz, por "acréscimo de misericórdia divina", busca destarte aproveitar o erro da ex-companheira para a realização de algum serviço redentor, com a supervisão dos nossos Maiores.
(...)
   Nunca supus que a mente desequilibrada pudesse infligir tamanho mal ao próprio patrimônio.
   A desordem do cosmo fisiológico acentuou-se, instante a instante.
   Penosamente surpreendido, prossegui no exame da situação, verificando com espanto que o embrião reagia ao ser violentado, como que aderindo, desesperadamente, às paredes placentárias.
   A mente do filhinho imaturo começou a despertar à medida que aumentava o esforço de extração. Os raios escuros não partiam agora só do encéfalo materno; eram igualmente emitidos pela organização embrionária, estabelecendo maior desarmonia.
   Depois de longo e laborioso trabalho, o entezinho foi retirado afinal...
   Assombrado, reparei, todavia, que a ginecologista improvisada subtraía ao vaso feminino somente pequena porção de carne inânime, porque a entidade reencarnante, como se a mantivessem atraída ao corpo materno forças vigorosas e indefiníveis, oferecia condições especialíssimas, adesa ao campo celular que a expulsava. Semidesperta, num atro pesadelo de sofrimento, refletia extremo desespero; lamentava-se com gritos aflitivos; expedia vibrações mortíferas; balbuciava frases desconexas.
   Não estaríamos, ali, perante duas feras terrivelmente algemadas uma à outra? O filhinho que não chegara a nascer transformava-se em perigosos verdugo do psiquismo materno. Premindo com impulsos involuntários o ninho de vasos do útero, precisamente na região onde se efetua a permuta dos sangues materno e fetal, provocou ele o processo hemorrágico, violento e abundante...
   Observei mais.
   Deslocado indébitamente e mantido ali por forças incoercíveis, o organismo perispirítico da entidade, que não chegara a renascer, alcançou em movimentos espontâneos a zona do coração. Envolvendo os nódulos da aurícula direita, perturbou as vias do estímulo, determinando choques tremendos no sistema nervoso central.
   Tal situação agravou o fluxo hemorrágico, que assumiu intensidade imprevista, compelindo a enfermeira a pedir socorros imediatos, depois de delir, como pôde, os vestígios de sua falta.
   - Odeio-o! odeio-o! - clamava a mente materna em delírio, sentindo ainda a presença do filho na intimidade orgânica. - Nunca embalarei um intruso que me lançaria à vergonha!
   Ambos, mãe e filho, pareciam agora, por dizer mais exatamente, sintonizados na onda de ódio, porque a mente dele, exibindo estranha forma de apresentação aos meus olhos, respondia, no auge da ira:
   - Vingar-me-ei! Pagarás cetil por cetil! não te perdoarei!... Não me deixaste retomar a luta terrena, onde a dor, que nos seria comum, me ensinaria a desculpar-te pelo passado delituoso e a esquecer minhas cruciantes mágoas... Renegaste a prova que nos conduziria ao altar da reconciliação. Cerraste-me as portas da oportunidade redentora; entretanto o maléfico poder, que impera em ti, habita igualmente minhalma... Trouxeste à tona de minha razão o lodo da perversidade que dormia dentro de mim. Negas-me o recurso da purificação, mas estamos agora novamente unidos e arrastar-te-ei para o abismo...Condenaste-me à morte, e, por isso, minha sentença é igual. Não me deste o descanso, impediste meu retorno à paz da consciência, mas não ficarás por mais tempo na Terra... Não me quiseste para o serviço do amor... Portanto, serás novamente minha para a satisfação do ódio. Vingar-me-ei! Seguirás comigo!
   Os raios mentais destruidores cruzavam-se, em horrendo quadro, de espírito a espírito.
   Em seguida, o Assistente convidou-me a sair, acrescentando:
   - Verificar-se-á a desencarnação dentro de algumas horas, O ódio, André, diariamente extermina criaturas no mundo, com intensidade e eficiência mais arrasadoras que as de todos os canhões da Terra troando a uma vez. É mais poderoso, entre os homens, para complicar os problemas e destruir a paz, que todas as guerras conhecidas pela Humanidade no transcurso dos séculos. Não me ouves mera teoria. Viveste conosco, nestes momentos, um fato pavoroso, que todos os dias se repete na esfera carnal. Estabelecido o império de forças tão detestáveis sobre essas duas almas desequilibradas, que a Providência procurou reunir no instituto da reencarnação, é necessário confiá-las doravante ao tempo, a fim de que a dor opere os corretivos indispensáveis.
(...)
   Calderaro fitou-me com o acabrunhamento de um soldado valoroso que perdeu temporariamente a batalha, e informou:
   - Agora. nada vale a intervenção direta. Consumou-se para ambos doloroso processo de obsessão recíproca, de amargas conseqüências no espaço e no tempo, e cuja extensão nenhum de nós pode prever.


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