19.10.15

Carta ao Papa

A vida sempre nos propõe desafios a superar. Não seria vida se não houvesse obstáculos a transpor. O que nos faz fortes é exatamente este movimento de superação constante. Lógico que não sabemos onde vai dar, mas tentamos encontrar as soluções devidas e obtenhamos êxito ou não há sempre um processo de crescimento interior.
Este desafio vive hoje a Igreja Católica Apostólica Romana da qual fiz parte e continuo a fazer neste lado de cá da vida.
Os embates ideológicos são naturais em qualquer grupo social e organizacional e a Igreja nunca esteve isenta de pressões em várias direções nas suas decisões internas. Perfeitamente natural o choque de opiniões. Acontece que ele deve estar ancorado em bases éticas e, principalmente, bases de conduta cristã.
A respeito dos últimos acontecimentos no Vaticano em que um grupo de cardeais apresentou uma carta ao Papa Francisco indicando o seu descontentamento quanto a posicionamentos referente ao possível conteúdo de uma nota oficial acerca da família, creio que não há nada demais na manifestação em contrário, o que está em jogo, mais uma vez, é a publicidade dada ao documento expondo a Igreja a interpretação pública de questões de âmbito interno. Apenas isso.
Já imaginaram, qualquer que seja a organização, o tamanho que seja, publicar notícias internas que nada dizem respeito ao público maior que as serve. O conteúdo deve ser preservado, o que não quer dizer que tenha o devido debate entre suas paredes.
O aspecto relevante não é o conteúdo do “Instrumentum Laboris”, este deve ser questionado por todas as partes que o constituem no seu processo elaborativo, mas o que preocupa é esta ação pública que pressupõe um quê de conspiração, o que deverasmente deve ser combatido.
O que vemos no lado de cá da vida é enorme insatisfação de um grupo de padres sobre os destinos que a Igreja toma. São padres que defendem a perpetuidade de determinados princípios. Defendem eles que há pontos aos quais a Igreja não deve jamais negociar. Acreditam que a modernidade é coisa negativa porque traz em seu bojo a alteração de costumes que deixam de lado valores invioláveis. Notadamente este grupo é formado por teólogos de peso, que dedicaram as suas vidas na constituição de uma Igreja regida pela preservação de determinados costumes e de um patrimônio moral conquistado ao longo de séculos, segundo eles.
De outro lado, há os “vaticanistas”. Assim se denominam porque entendem que deve haver constantemente o embate com as novas ideias que o mundo traz para que haja uma reflexão das posturas da Igreja perante eles. Acreditam estes que há pontos que podem e devem ser revistos, mas que não entre em confronto com a doutrina do Cristo.
Percebam que o que ocorre no mundo dos vivos na carne é apenas um prolongamento do que está acontecendo entre nós neste lado da vida.
O que está por trás de tudo isso é o receio que a Igreja não seja jogada em algumas armadilhas da modernidade e preserve seus postulados fundamentais. O que é meritório, no entanto, o que está em jogo, como sempre esteve, é como se procede o embate das ideias. Isto, pelo que sei, sempre foi polêmico e não muito auspicioso para os ditames éticos da Igreja.
Quando os homens, sejam eles na carne ou fora dela, esquecem a inspiração de Jesus tudo cai por terra. Ora, pensemos, se há a divergência que ela seja bem-vinda, pois mostra várias faces de um mesmo tema e somente enriquece a sua compreensão. O que não é interessante, de maneira alguma, é agir contraditoriamente aos princípios que abraça e querer impor a autoritariamente sua vontade .
Desculpe trazer estas questões internas da Igreja, mas creio que seja um momento fértil para mostrar, mais uma vez, que a vida deste lado é tão intensa quanto entre vocês.
Serve para mostrarmos que a vida tem continuidade do lado de cá porque é deste lado, na maioria das vezes, que é gerada a matriz para o mundo daí.
A Igreja Católica, como qualquer outro organismo vivo, é formada da diversidade e, pelo tamanho que tem, esta diversidade é bastante ampla.
Participo de vários grupos simultaneamente e observo que muitos possuem a preocupação de manter tudo em ordem, mas desejam ardentemente que a Igreja possa proporcionar respostas adequadas aos desafios que a atualidade propõe.
Sei que tudo isto pode parecer jogo político - e é, mas a vida é feita disto mesmo. Devemos ser coparticipantes da construção de tudo que nos rodeia. No meu caso, faço isto pelo meu compromisso com a Igreja.
O Papa Francisco é altamente bem-intencionado e saberá se posicionar diante destas solicitações, com a autoridade e sabedoria solicitadas ao mandatário primeiro da Igreja entre os homens.
Ao todo, todos ganham. Ganha-se até quando se procede inconvenientemente para que se pontue que este não deve ser o melhor caminho a ser percorrido.
Creio que tais explicações sejam necessárias embora possam parecer enfadonhas, mas há sempre o elemento didático nestas questões discutidas.
Inspire o Nosso Senhor Jesus Cristo a tratarmos tudo com a devida fraternidade que deve reinar em irmãos comprometidos com a causa do mestre de nossas vidas.
Paz,

Helder Camara

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