Gengibre
Certa vez, estava para rezar uma missa
numa cidade do interior do Estado. Era dia de novena e depois teria uma grande
festa em louvor ao padroeiro local.
Fui descalço durante a viagem porque
sentia os pés um tanto inchados, possivelmente por causa de má circulação,
lembro bem. Ao chegar à cidade, o bispo local me recebeu com muita euforia. Era
uma festa só. Todos estavam ansiosos com a presença, pela primeira vez, de um
representante oficial do arcebispado. A cidade inteira me esperava e lá fui
eu.
Conversamos bastante com a população, o prefeito, com todos, enfim, que
acorriam para ver Dom Helder em pessoa. Acontece que lá pelas tantas horas, eu
estava um pouco cansado. Pedi para dormir um pouco, me restabelecer para antes
da missa principal. Fui ao quarto preparado para mim. Um quarto elegante e um
ventilador enorme, certamente para não sentir calor.
Dormi bem e ao acordar,
mais refeito, fui tomar um banho antes de partirmos para a Igreja, mas, qual não
foi a minha surpresa, estava rouco. Rouco mesmo, praticamente afônico. A
multidão veio ver o dom rouco. Prostrei-me na cama a perguntar: - e
agora?
Num estalo da mente, disseram-me ser muito bom para estas ocasiões a
mastigação de gengibre.
Fui para o dono da casa e perguntei, esforçando-me a
fazer uma voz um tanto grossa:
- o senhor, por acaso, tem gengibre?
-
Tenho sim, senhor! Mas adianto logo que vai arder. O senhor está precisando de
algo para a garganta?
- Estou, mas me disseram que gengibre é tiro e
queda.
- É mesmo, mas arde, Dom. O senhor quer assim mesmo?
- Quero.
O
bom homem foi procurar o tal gengibre e em alguns minutos me trazia umas raízes
daquilo. Raspei uma deles, lavei e pus-me a mastigar. Meu Deus, como aquilo
ardia. A hora da missa chegado e eu lá mastigando o tal gengibre.
- O senhor
está melhor, Dom?
- Acho que sim, vamos lá.
No altar, todos me olhavam na
expectativa da minha palavra e eu a rezar baixinho.
- Pai, eu quero servir na
Tua Igreja, mas hoje me falta a voz. O que fazer? Recorro ao Senhor que pode
tudo. Devolva-me novamente a voz, mesmo que seja por uns instantes. Vai ficar
feio um padre falar fino para uma multidão dessas.
Meus irmãos, a fé é
poderosa. Quando fui falar a rouquidão passou como num passe de mágica. Fiquei
feliz com o acolhimento das minhas preces. Concluída a missa, o povo veio me
cumprimentar. Pois bem, na primeira fala, passei a falar fino novamente, quase
assobiando. Resultado: passei o resto da noite apenas balançando a cabeça e
concordando com todo mundo.
Ao cair da noite, antes de dormir, perguntei em
oração ao Pai:
- Meu Pai, ficou meio deseducado. Todos falavam comigo e eu só
balbuciava algumas palavras. Espero que eles compreendam e não me julguem
mal.
Neste instante, veio-me uma vozinha na consciência como a me dizer:
-
Teus pedidos, filho, foram atendidos. Pediste para rezar bem a missa. Quando
quiseres mais, presta-te a orar direito e pedir a coisa certa.
Em silêncio,
agradeci pelo dia e pela lição aprendida: o Pai é benevolente sempre, mas
cuida-te primeiro em saber o que queres e o que pedes porque Ele te atenderá na
proporção dos teus pedidos, depois não reclame.
Helder Camara por Carlos Pereira
Nenhum comentário:
Postar um comentário