10.12.12


Gengibre
Certa vez, estava para rezar uma missa numa cidade do interior do Estado. Era dia de novena e depois teria uma grande festa em louvor ao padroeiro local.
Fui descalço durante a viagem porque sentia os pés um tanto inchados, possivelmente por causa de má circulação, lembro bem. Ao chegar à cidade, o bispo local me recebeu com muita euforia. Era uma festa só. Todos estavam ansiosos com a presença, pela primeira vez, de um representante oficial do arcebispado. A cidade inteira me esperava e lá fui eu.
Conversamos bastante com a população, o prefeito, com todos, enfim, que acorriam para ver Dom Helder em pessoa. Acontece que lá pelas tantas horas, eu estava um pouco cansado. Pedi para dormir um pouco, me restabelecer para antes da missa principal. Fui ao quarto preparado para mim. Um quarto elegante e um ventilador enorme, certamente para não sentir calor.
Dormi bem e ao acordar, mais refeito, fui tomar um banho antes de partirmos para a Igreja, mas, qual não foi a minha surpresa, estava rouco. Rouco mesmo, praticamente afônico. A multidão veio ver o dom rouco. Prostrei-me na cama a perguntar: - e agora?
Num estalo da mente, disseram-me ser muito bom para estas ocasiões a mastigação de gengibre.
Fui para o dono da casa e perguntei, esforçando-me a fazer uma voz um tanto grossa:
- o senhor, por acaso, tem gengibre?
- Tenho sim, senhor! Mas adianto logo que vai arder. O senhor está precisando de algo para a garganta?
- Estou, mas me disseram que gengibre é tiro e queda.
- É mesmo, mas arde, Dom. O senhor quer assim mesmo?
- Quero.
O bom homem foi procurar o tal gengibre e em alguns minutos me trazia umas raízes daquilo. Raspei uma deles, lavei e pus-me a mastigar. Meu Deus, como aquilo ardia. A hora da missa chegado e eu lá mastigando o tal gengibre.
- O senhor está melhor, Dom?
- Acho que sim, vamos lá.
No altar, todos me olhavam na expectativa da minha palavra e eu a rezar baixinho.
- Pai, eu quero servir na Tua Igreja, mas hoje me falta a voz. O que fazer? Recorro ao Senhor que pode tudo. Devolva-me novamente a voz, mesmo que seja por uns instantes. Vai ficar feio um padre falar fino para uma multidão dessas.
Meus irmãos, a fé é poderosa. Quando fui falar a rouquidão passou como num passe de mágica. Fiquei feliz com o acolhimento das minhas preces. Concluída a missa, o povo veio me cumprimentar. Pois bem, na primeira fala, passei a falar fino novamente, quase assobiando. Resultado: passei o resto da noite apenas balançando a cabeça e concordando com todo mundo.
Ao cair da noite, antes de dormir, perguntei em oração ao Pai:
- Meu Pai, ficou meio deseducado. Todos falavam comigo e eu só balbuciava algumas palavras. Espero que eles compreendam e não me julguem mal.
Neste instante, veio-me uma vozinha na consciência como a me dizer:
- Teus pedidos, filho, foram atendidos. Pediste para rezar bem a missa. Quando quiseres mais, presta-te a orar direito e pedir a coisa certa.
Em silêncio, agradeci pelo dia e pela lição aprendida: o Pai é benevolente sempre, mas cuida-te primeiro em saber o que queres e o que pedes porque Ele te atenderá na proporção dos teus pedidos, depois não reclame.
Helder Camara por Carlos Pereira

Nenhum comentário:

Postar um comentário