Dora Incontri
É verdade que, historicamente, o Natal não é a data exata do
nascimento de Jesus. É verdade que a narrativa da manjedoura, dos reis magos, da
estrela de Belém, do descendente de Davi é uma história mítica, arranjada para
provar que Jesus era o Messias esperado pelos judeus. Não houve recenseamento,
não foi preciso que o carpinteiro José se deslocasse de Nazaré e fosse com sua
esposa se apresentar em Belém. Mesmo porque se os romanos fizessem um
recenseamento do seu Império, não lhes interessaria contar os judeus pela sua
descendência. (Na história bíblica, José como descendente de Davi teria de se
apresentar para o recenseamento em Belém.)
Provavelmente, Jesus nasceu em
Nazaré, viveu tranquilamente em sua aldeia, aprendeu o ofício de seu pai. Não
precisou buscar refúgio no Egito. Mas tudo isso apenas aumenta sua grandeza: um
filho de carpinteiro, crescido numa aldeia obscura, num recanto do Império
romano, ergueu a voz de sua mensagem e transformou o mundo.
É verdade
também que o Natal se tornou no mundo cristão uma data comercial, para compra de
presentes, para movimentar o mercado, para aguçar o consumo. Que o seu
personagem anda longe dos pensamentos, distante dos corações, apagado dos atos
da maioria das pessoas.
É verdade, é verdade.
Mas é verdade também que
o Natal tem uma poesia toda sua…o presépio pode ser mítico, mas é um símbolo de
humildade e acolhimento. A data pode não ser a correta, mas como ao longo dos
séculos muitos pensaram em Jesus nesse dia e procuraram conexão com ele, a noite
natalina ficou impregnada de devoção e alegria.
A verdade é que a figura de
Jesus paira acima dos séculos, acima dos mitos, acima do comércio, emanando amor
em seu olhar, que abarca o mundo inteiro.
É verdade que a sua mensagem de
paz e fraternidade permanece insuperável, como um apelo permanente aos corações
de boa vontade, cristãos ou não cristãos.
Seu coração amoroso vibra ainda
pela humanidade e nos acompanha de longe e de perto.
Por isso, dedico como
sempre um poema de Natal ao Mestre carpinteiro, ao Mestre de Nazaré, ao Mestre
da humildade e da paz!
PRECE DE NATAL
Podem os homens da
terra
Semear flores de sangue
Mas tua paz invisível medra
Na alma do
povo exangue…
Podem as criaturas
Retalhar a
natureza
cinzentar o horizonte
Mas envias sempre uma alma pura
trazendo
a delicadeza
de um gesto oculto que cura.
Podem os incautos
Mancharem a
esperança
Propagarem a maldade
Exaltarem a ganância
Ferirem o coração
de uma criança,
Pondo espinhos num coração de mãe.
Mas tu levantas o
caído
Amparas o traidor e traído.
Desfazes toda dureza
E restauras a
bonança.
O séculos se sucedem
E teus pés percorrem
sempre
As pedras de nosso mundo
E semeias de passagem
O sonho de nova
paisagem
As lágrimas de amor profundo
Com que nos tocas a
vida.
Podem os percalços
em minha alma
dolorida
fazer sulcos de tristeza,
mas nada pode arrancar
a doçura e a
beleza
desse teu macio olhar…
Estás sempre aí,
Além, aquém, aqui…
Como
rocha milenar
Ancorando nossa esperança
De um reino que não há de
acabar…
Estás acima do tempo
Para que façamos dele
Um tecido de
estrelas a raiar
Podem os fanáticos
Fazer de ti um mito sem
rosto,
Um rei de cetro e com gosto
De tirania celeste.
Mas tu ainda nos
lavas os pés
E neste gesto nos deste
A glória de muitas
fés.
Mestre, sábio, sublime irmão,
Estás bem perto
de nós
E basta abrir uma brecha
No cansado coração
Para ouvirmos o
sussurro de tua voz!
Vem aqui, querido Jesus Cristinho
E encontra
um lugar, um ninho,
Dentro de nossas casas…
E então teremos asas
Para
voar acima dos montes
Abrir azuis horizontes
E enfim, amado
amigo,
Sermos assim um contigo!
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