23.3.18

OS SINÓPTICOS

Mateus, Marcos e Lucas seguem, de tal forma, o mesmo plano e desenvolvimento, que podem ser abarcados num só olhar (ópticos) de conjunto (sin) . Verifica-se com facilidade que Mateus foi o primeiro a publicar o seu, tendo Marcos resumido a seguir. Muitos outros seguiram o exemplo desses dois, tendo aparecido talvez uma centena de resenhas dos atos do Mestre. Foi quando Lucas resolveu, conforme declara, .organizar. uma narração escoimada de falhas.
A INSPIRAÇÃO
Aceitamos que a Bíblia, e de modo particular o Novo Testamento, tenham sido inspirados, direta e sensivelmente, por espíritos, se bem que nem todos com a mesma elevação.
Pedro, com toda a sua autoridade de Chefe do Colégio Apostólico, afirma categoricamente, referindo-se aos escritores do Velho Testamento: .homens que falaram da parte de Deus, e que foram movidos por algum espírito santo. (2 Pe. 1 :21) . E ainda: .o Espírito de Cristo, que estava neles, testificou. (1 Pe. 1: 11) .
E no discurso de Estêvão, narrado em Atos 7:53, o proto-mártir afirma: .'vós que recebestes a Lei por ministério de anjos., isto é, por intermédio de espíritos.
Tudo isso é normal e comum até nossos dias. Mas, desconhecendo a técnica, cientificamente estudada e experimentada por sábios e pesquisadores espiritualistas, a partir de Allan Kardec, os comentadores se perdem em divagações cerebrinas. Ao invés de admitir a psicografia (direta, mecânica ou semimecânica) e a psicofonia (total ou parcial), a audiência evidência, ficam a conjeturar .como. pode ter se dado o fato, chegando a afirmar que .as pedras da Lei foram realmente escritas pelo dedo de Deus. (Dr. Tregelles, Introdução ao N.T.).
Mais modernamente, Joseph Angus (Hist. Doutr. e Interpr. da Bíblia), escreve: .notam-se, nas diversas partes da Bíblia, no conteúdo e no tom, diferenças evidentes; têm sido feitas distinções entre .inspiração de direção. e .inspiração de sugestão. (?) ; entre a iluminação e o ditado; entre .influência dinâmica. e .influência mecânica.. Vê-se que já se está aproximando da realidade, mas o desconhecimento dos estudos modernos o faz ainda titubear.
Ainda a respeito da inspiração, perguntam os teólogos se a inspiração da Bíblia deve ser considerada VERBAL (isto é, que todas as suas PALAVRAS tenham sido inspiradas diretamente por Deus - aturalmente no original hebraico ou grego) , ou se será apenas IDEOLÓGICA. Faz-se então a aplicação: em Tobias, 11:9, é dito .então o cão que os vinha seguindo pelo caminho, correu adiante, e como que trazendo a notícia, mostrava seu contentamento abanando a cauda.. Pergunta-se: é de fé que .o cão abane a cauda quando está alegre.? E respondem: .não, mas é de fé Que. naquele momento, um cão abanou a cauda...
Não era assim que pensava Jesus, quando dizia que .o espírito vivifica, a carne para nada aproveita. (30. 6:63) ; nem Paulo, quando afirmava: .não somos ministros da letra (escravos da letra) , mas do espírito, pois a letra mata, mas o espírito vivifica. (2 Cor. 3:6). E aos Romanos: .de sorte que sirvamos na novidade do espírito, e não na velhice da letra. (Rum. 7:6.). E mais ainda: quando, em o Novo Testamento se cita o Velho, a citação é sempre feita ad sensum (isto é, pelo sentido) , e não ad lítteram (literalmente) , e quase sempre pela tradução dos Setenta, e não pelo original hebraico, embora fossem judeus.
INTERPRETAÇÃO
Para interpretar com segurança um trecho da Escritura, é mister:
a) isenção de preconceitos
b) mente livre, não subordinada a dogmas
c) inteligência humilde, para entender o que realmente está escrito, e não querer impor ao escrito o que se tem em mente.
d) raciocínio perquiridor e sagaz
e) cultura ampla e polimorfa mas sobretudo:
f) CORAÇAO DESPRENDIDO (PURO) E UNIDO A DEUS.
Os quatro primeiros itens são pessoais, geralmente inatos, mas podem ser adquiridos por qualquer pessoa.
O item e requer conhecimento profundo de hebraico, grego e latim, assim como de idiomas correlatos (árabe, sírio, caldaico. arameu. copto. egípcio. etc.) , Contato com obras de autores profanos da literatura greco-latina, dos .Pais. da igreja, etc. Noções seguras de história, geografia, etnografia, ciências naturais, astronomia. cronologias e calendários. assim como de mitologias e obras de outros povos antigos.
Mas há necessidade, ainda, de obedecer a determinadas regras:
1.ª regra - estudar o trecho e cada palavra gramaticalmente, dentro das regras léxicas, sintáticas e etimológicas, assim como do uso tradicional dos termos e das expressões.
Por exemplo, a título de ilustração:
a - existem freqüentes hendíades (isto é, emprego de duas palavras unidas pela preposição, em lugar de um substantivo e um adjetivo) , como: .obras de fé. por .obras fiéis.; .trabalho de caridade., por .trabalho caridoso.; .paciência de esperança. por .paciência esperançosa.; .espírito da promessa. por .espírito prometido.. Ou então, duas palavras unidas pela conjunção .e., ao invés de o serem pela preposição, como: .ressurreição E vida. por .ressurreição DA vida.; .caminho, verdade e vida., por .caminho DA verdade e DA VIDA ., etc. Isto porque, em hebraico, eram colocados dois substantivos, um ao lado do outro, e isto bastava para relacioná-los;
b - a expressão .filho de. exprime o possuidor de uma qualidade (positiva ou negativa) : filho da paz significa .pacífico.; filho da luz quer dizer .iluminado. (cfr. Lc. 10:6 e Ef. 5:8) ;
c - expressões típicas, como .se alguém não aborrecer. . . . (Lc. 14:26) , exprimindo: .se alguém não amar menos. . ..;
d - os números possuem sentido muito simbólico, assim:
10 - diversos
40 . muitos
7 - grande número
70 - todos, sempre
Então, não devem ser tomados à risca.
e - os nomes de cidade e de pessoas precisam ser observados com .atenção. Basta recordar que .César., em Lc. 2:1 refere-se a Tibério, mas em At. 25:21 refere-se a Nero.
2.ª regra - Interpretar o texto de acordo com o contexto. Por exemplo, .obras. pode significar .boas ações., como em Rom. 2:6, em Mt. 16:27; ou pode exprimir apenas .ritos, liturgia., como em Rom. 3:20, 28, etc.
Neste campo, podemos explicar o texto segundo o contexto, quer por analogia, quer por antítese; ou então, por paralelismo com outros passos.
Não perder de vista, no contexto, que:
a - as palavras podem ser compreendidas em sentido mais, ou menos, amplo, do que o sentido ordiná-
rio;
b - as palavras podem exprimir o contrário (por ironia) , como em Jo. 6:68;
c - não havendo sinais diacríticos nem pontuação nos manuscritos e códices, temos que estudar a localização exata das vírgulas e demais sinais, especialmente dos parênteses;
d - podem aparecer diálogos retóricos, como em Rom. cap. 3.
3.ª regra - Quando há dificuldade, consideremos o objetivo do livro ou do trecho, e interpretemos o .pequeno. dentro do .grande., o pormenor dentro do geral, a frase dentro do período. Por exemplo, em Romanos (14:5) Paulo permite aos judeus a observância de datas, enquanto aos Gálatas (4:10-11) proíbe que o façam; isto porque, entre estes, os judeus queriam obrigar os gentios à observância das datas judaicas.
4.ª regra - Comparar Escritura com Escritura, é melhor que fazê-lo com obras profanas.
Por exemplo, a expressão .revestir0 o Cristo. (Gál. 3:27) é explicada em Rom. 13:14 e é descrita em pormenores em Col. 3:10.
DIVERSOS SENTIDOS
Cada Escritura pode apresentar diversas interpretações, no mesmo trecho. A vantagem disso é que, de acordo com a escala evolutiva em que se acha a criatura que lê, pode a interpretação ser menos ou mais profunda.
Os principiantes compreendem, de modo geral, a .letra. e a ela se apegam. Mas, além do sentido literal. temos o alegórico, o simbólico e o espiritual ou místico.
O sentido alegórico faz extrair numerosas significações de cada representação, compreendendo, por exemplo, a história de Abraão como uma alegoria das relações entre a matéria e o espírito.
A interpretação simbólica é mais elevada: dá-nos a revelação de uma verdade que se torna, digamos assim, .transparente. e visível, através de um texto que a recobre totalmente; basta-nos recordar a CRUZ, para os cristãos: é um símbolo muito mais profundo, que os dois pedaços de madeira superpostos.
A interpretação espiritual é aquela que dificilmente poderá ser expressa em palavras, mas é sentida e vivida em nosso eu mais profundo, levando-nos, através de certas palavras e expressões, à união mística com a Divindade que reside dentro de nós. Quase sempre, a compreensão espiritual ou mística da Escritura leva ao êxtase, e portanto à Convivência com o Todo.

Livro: Sabedoria do Evangelho - Carlos Torres Pastorino

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