Mateus, Marcos e Lucas
seguem, de tal forma, o mesmo plano e desenvolvimento, que podem ser abarcados
num só olhar (ópticos) de conjunto (sin) . Verifica-se com facilidade que
Mateus foi o primeiro a publicar o seu, tendo Marcos resumido a seguir. Muitos
outros seguiram o exemplo desses dois, tendo aparecido talvez uma centena de resenhas
dos atos do Mestre. Foi quando Lucas resolveu, conforme declara, .organizar.
uma narração escoimada de falhas.
A INSPIRAÇÃO
Aceitamos que a Bíblia, e de
modo particular o Novo Testamento, tenham sido inspirados, direta e
sensivelmente, por espíritos, se bem que nem todos com a mesma elevação.
Pedro, com toda a sua
autoridade de Chefe do Colégio Apostólico, afirma categoricamente, referindo-se
aos escritores do Velho Testamento: .homens que falaram da parte de Deus, e que
foram movidos por algum espírito santo. (2 Pe. 1 :21) . E ainda: .o Espírito de
Cristo, que estava neles, testificou. (1 Pe. 1: 11) .
E no discurso de Estêvão,
narrado em Atos 7:53, o proto-mártir afirma: .'vós que recebestes a Lei por
ministério de anjos., isto é, por intermédio de espíritos.
Tudo isso é normal e comum
até nossos dias. Mas, desconhecendo a técnica, cientificamente estudada e
experimentada por sábios e pesquisadores espiritualistas, a partir de Allan
Kardec, os comentadores se perdem em divagações cerebrinas. Ao invés de admitir
a psicografia (direta, mecânica ou semimecânica) e a psicofonia (total ou
parcial), a audiência evidência, ficam a conjeturar .como. pode ter se dado o
fato, chegando a afirmar que .as pedras da Lei foram realmente escritas pelo
dedo de Deus. (Dr. Tregelles, Introdução ao N.T.).
Mais modernamente, Joseph
Angus (Hist. Doutr. e Interpr. da Bíblia), escreve: .notam-se, nas diversas
partes da Bíblia, no conteúdo e no tom, diferenças evidentes; têm sido feitas
distinções entre .inspiração de direção. e .inspiração de sugestão. (?) ; entre
a iluminação e o ditado; entre .influência dinâmica. e .influência mecânica..
Vê-se que já se está aproximando da realidade, mas o desconhecimento dos
estudos modernos o faz ainda titubear.
Ainda a respeito da inspiração,
perguntam os teólogos se a inspiração da Bíblia deve ser considerada VERBAL
(isto é, que todas as suas PALAVRAS tenham sido inspiradas diretamente por Deus
- aturalmente no original hebraico ou grego) , ou se será apenas IDEOLÓGICA.
Faz-se então a aplicação: em Tobias, 11:9, é dito .então o cão que os vinha
seguindo pelo caminho, correu adiante, e como que trazendo a notícia, mostrava
seu contentamento abanando a cauda.. Pergunta-se: é de fé que .o cão abane a
cauda quando está alegre.? E respondem: .não, mas é de fé Que. naquele momento,
um cão abanou a cauda...
Não era assim que pensava
Jesus, quando dizia que .o espírito vivifica, a carne para nada aproveita. (30.
6:63) ; nem Paulo, quando afirmava: .não somos ministros da letra (escravos da
letra) , mas do espírito, pois a letra mata, mas o espírito vivifica. (2 Cor.
3:6). E aos Romanos: .de sorte que sirvamos na novidade do espírito, e não na
velhice da letra. (Rum. 7:6.). E mais ainda: quando, em o Novo Testamento se
cita o Velho, a citação é sempre feita ad sensum (isto é, pelo sentido) , e não
ad lítteram (literalmente) , e quase sempre pela tradução dos Setenta, e não
pelo original hebraico, embora fossem judeus.
INTERPRETAÇÃO
Para interpretar com
segurança um trecho da Escritura, é mister:
a) isenção de preconceitos
b) mente livre, não
subordinada a dogmas
c) inteligência humilde, para
entender o que realmente está escrito, e não querer impor ao escrito o que se
tem em mente.
d) raciocínio perquiridor e
sagaz
e) cultura ampla e polimorfa
mas sobretudo:
f) CORAÇAO DESPRENDIDO (PURO)
E UNIDO A DEUS.
Os quatro primeiros itens são
pessoais, geralmente inatos, mas podem ser adquiridos por qualquer pessoa.
O item e requer conhecimento
profundo de hebraico, grego e latim, assim como de idiomas correlatos (árabe,
sírio, caldaico. arameu. copto. egípcio. etc.) , Contato com obras de autores
profanos da literatura greco-latina, dos .Pais. da igreja, etc. Noções seguras
de história, geografia, etnografia, ciências naturais, astronomia. cronologias
e calendários. assim como de mitologias e obras de outros povos antigos.
Mas há necessidade, ainda, de
obedecer a determinadas regras:
1.ª regra - estudar o trecho
e cada palavra gramaticalmente, dentro das regras léxicas, sintáticas e
etimológicas, assim como do uso tradicional dos termos e das expressões.
Por exemplo, a título de
ilustração:
a - existem freqüentes
hendíades (isto é, emprego de duas palavras unidas pela preposição, em lugar de
um substantivo e um adjetivo) , como: .obras de fé. por .obras fiéis.; .trabalho
de caridade., por .trabalho caridoso.; .paciência de esperança. por .paciência
esperançosa.; .espírito da promessa. por .espírito prometido.. Ou então, duas
palavras unidas pela conjunção .e., ao invés de o serem pela preposição, como:
.ressurreição E vida. por .ressurreição DA vida.; .caminho, verdade e vida.,
por .caminho DA verdade e DA VIDA ., etc. Isto porque, em hebraico, eram
colocados dois substantivos, um ao lado do outro, e isto bastava para
relacioná-los;
b - a expressão .filho de.
exprime o possuidor de uma qualidade (positiva ou negativa) : filho da paz
significa .pacífico.; filho da luz quer dizer .iluminado. (cfr. Lc. 10:6 e Ef.
5:8) ;
c - expressões típicas, como
.se alguém não aborrecer. . . . (Lc. 14:26) , exprimindo: .se alguém não amar
menos. . ..;
d - os números possuem
sentido muito simbólico, assim:
10 - diversos
40 . muitos
7 - grande número
70 - todos, sempre
Então, não devem ser tomados
à risca.
e - os nomes de cidade e de
pessoas precisam ser observados com .atenção. Basta recordar que .César., em
Lc. 2:1 refere-se a Tibério, mas em At. 25:21 refere-se a Nero.
2.ª regra - Interpretar o
texto de acordo com o contexto. Por exemplo, .obras. pode significar .boas
ações., como em Rom. 2:6, em Mt. 16:27; ou pode exprimir apenas .ritos,
liturgia., como em Rom. 3:20, 28, etc.
Neste campo, podemos explicar
o texto segundo o contexto, quer por analogia, quer por antítese; ou então, por
paralelismo com outros passos.
Não perder de vista, no
contexto, que:
a - as palavras podem ser
compreendidas em sentido mais, ou menos, amplo, do que o sentido ordiná-
rio;
b - as palavras podem
exprimir o contrário (por ironia) , como em Jo. 6:68;
c - não havendo sinais diacríticos
nem pontuação nos manuscritos e códices, temos que estudar a localização exata
das vírgulas e demais sinais, especialmente dos parênteses;
d - podem aparecer diálogos
retóricos, como em Rom. cap. 3.
3.ª regra - Quando há
dificuldade, consideremos o objetivo do livro ou do trecho, e interpretemos o
.pequeno. dentro do .grande., o pormenor dentro do geral, a frase dentro do
período. Por exemplo, em Romanos (14:5) Paulo permite aos judeus a observância
de datas, enquanto aos Gálatas (4:10-11) proíbe que o façam; isto porque, entre
estes, os judeus queriam obrigar os gentios à observância das datas judaicas.
4.ª regra - Comparar
Escritura com Escritura, é melhor que fazê-lo com obras profanas.
Por exemplo, a expressão
.revestir0 o Cristo. (Gál. 3:27) é explicada em Rom. 13:14 e é descrita em
pormenores em Col. 3:10.
DIVERSOS SENTIDOS
Cada Escritura pode
apresentar diversas interpretações, no mesmo trecho. A vantagem disso é que, de
acordo com a escala evolutiva em que se acha a criatura que lê, pode a interpretação
ser menos ou mais profunda.
Os principiantes compreendem,
de modo geral, a .letra. e a ela se apegam. Mas, além do sentido literal. temos
o alegórico, o simbólico e o espiritual ou místico.
O sentido alegórico faz
extrair numerosas significações de cada representação, compreendendo, por
exemplo, a história de Abraão como uma alegoria das relações entre a matéria e
o espírito.
A interpretação simbólica é
mais elevada: dá-nos a revelação de uma verdade que se torna, digamos assim,
.transparente. e visível, através de um texto que a recobre totalmente;
basta-nos recordar a CRUZ, para os cristãos: é um símbolo muito mais profundo,
que os dois pedaços de madeira superpostos.
A interpretação espiritual é
aquela que dificilmente poderá ser expressa em palavras, mas é sentida e vivida
em nosso eu mais profundo, levando-nos, através de certas palavras e
expressões, à união mística com a Divindade que reside dentro de nós. Quase
sempre, a compreensão espiritual ou mística da Escritura leva ao êxtase, e portanto
à Convivência com o Todo.
Livro: Sabedoria do Evangelho - Carlos Torres
Pastorino