(...)
Penetramos o recinto, servido de amplas
janelas e abundantemente iluminado.
O ambiente sufocava. Desagradáveis emanações
faziam cada vez mais espessas, à maneira que avançávamos.
No salão principal do edifício, onde abundavam
extravagantes adornos, algumas dezenas de pares dançavam, tendo as mentes
absorvidas nas baixas vibrações que a atmosfera vigorosamente insuflava.
Indefinível e dilacerante impressão
dominou-me o ser. Não provinha da estranheza que a indiferença dos cavalheiros
e a leviandade das mulheres me provocavam; o que me enchia de assombro era o
quadro que eles não viam. A multidão de entidades conturbadas e viciosas que aí
se movia era enorme. Os dançarinos não bailavam sós, mas, inconscientemente,
correspondiam, no ritmo açodado da música inferior, a ridículos gestos dos
companheiros irresponsáveis que lhes eram invisíveis. Atitudes simiescas
surdiam aqui e ali, e, de quando em quando, gritos histéricos feriam o ar.
Calderaro não se deteve, Mostrava-se
habituado à cena; mas, não conseguindo sofrear a estupefação que se
assenhoreara de mim, solicitei-lhe uma intermitência, perguntando:
- Meu amigo, que vemos? Criaturas alegres
cercadas de seres tão inconscientes e perversos? Pois será crime dançar? Buscar
alegria constituirá falta grave?
O orientador escutou pacientemente as
indagações ingênuas que me escapavam dos lábios, ditadas pelo espanto que me
assomara repentinamente, e esclareceu:
_Que perguntas, André? O ato de dançar pode
ser tão santificado como o ato de orar, pois a alegria legítima é sublime
herança de Deus. Aqui, porém, o quadro é diverso. O bailado e o prazer nesta
casa significam declarado retorno aos estados primitivos do ser, com
iniludíveis agravantes de viciação dos sentidos. Observamos, neste recinto,
homens e mulheres dotados de alto raciocínio, mas assumindo atitudes de que
muitos símios talvez se pejassem. Todavia, esteja longe de nós qualquer
recriminação: lastimemo-los simplesmente. São trânsfugas sociais, rebeldes à
disciplina instituída pelos Desígnios Superiores para os seus trilhos
terrestres. Muitos deles são profundamente infelizes, precisando de nossa ajuda
e compaixão. Procuram afogar no vinho ou nos prazeres certas noções de
responsabilidade que não logram esquecer. Fracos perante a luta, mas dignos de
piedade pelos remorsos e atribulações que os devoram, merecem ser amparados
fraternalmente.
E, passando os olhos de relance pela
multidão de espíritos perturbadores que ali se davam ao vampirismo e ao
sarcasmo, obtemperou:
- Quanto a estes infortunados, que fazer se
não recomendá-los ao Divino Poder? Tentam igualmente a fuga impossível de si
mesmos. Alucinados, apenas adiam o terrível minuto de auto-reconhecimento, que
chega sempre, quando menos esperam, através dos mil processos da dor, esgotados
os recursos do amor divino, que o Supremo Pai nos oferece a todos. A mente
deles também está apegada aos instintos primitivos, e, frágeis e hesitantes,
receiam a responsabilidade do trabalho da regeneração.(...)
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