Embora o culto dos antepassados
seja de todos os tempos, encontramos o amor ao corpo, ultrapassando as
diretrizes do equilíbrio, imortalizado em monumentos mortuários que têm vencido
os séculos.
Entre os egípcios, que acreditavam
no retorno da alma, erigiram-se pirâmides fabulosas que guardam, na intimidade,
os despojos dos faraós, cercados de ouro e pertences de valor incalculável.
Embalsamentos científicos, seguindo
rituais sagrados, defendiam as vestes físicas contra os estragos do tempo e a
decomposição.
Sarcófagos esculpidos em granito ou
fundidos no bronze eram revestidos de lápis-lazúli e ouro, onde se engastavam
gemas preciosas para o último repouso da carne devidamente mumificada.
Câmaras mortuárias semelhantes a
palácios esplêndidos eram erigidas em toda parte.
Exorcismos complicados e oferendas
suntuosas eram dirigidas aos Espíritos, para defenderem os despojos carnais da
volúpia dos vampiros do Mundo Espiritual.
E todo um cerimonial complexo e
demorado envolvia a memória dos mortos, em nome do amor, retendo-os nas
masmorras, escravizados às jóias frias e aos metais duros, que não mais lhes
valiam de moedas para a aquisição da felicidade.
A História conhece, nesses
monumentos arquitetônicos, a narrativa silenciosa dos excessos da emoção
afetiva, convertida em paixão e loucura.
Por amor, Artemísia, viúva do rei
Mausolo, da Caria, mandou erigir, em Halicarnasso, o túmulo suntuoso que se
transformou numa das maravilhas do mundo antigo, dando origem à palavra
mausoléu.
Por amor a si mesmo, Asa, rei de
Israel, fez construir para os próprios despojos uma colossal tumba na Cidade de
Davi.
Superestimando o próprio corpo, em
nome do amor, Adriano, rivalizando com a imponência dos túmulos afro-asiáticos,
edificou um suntuoso palácio mortuário, às margens do Tibre, hoje denominado
Castelo de Santo Ângelo.
O Taj-Mahal, erigido perto de Agra,
reflete o Amor do imperador Xá Kjiham à memória de sua mulher, a sultana
Nurmahal, transformando-se no mais formoso edifício da arte muçulmana, que
deslumbra o mundo. As cortinas rendadas, em mármore de Carrara esculpido,
parecem finos tecidos por onde a luz, coada artisticamente, derrama jatos
irisados.
Mesmo em Israel, o país do
"Deus Único", as longas estradas guardam as tumbas de muitos de seus
profetas.
No continente sul-americano, como
nas Américas Central e do Norte, incas e astecas edificaram, para os mortos,
cidades que constituem ainda mistérios para a Arqueologia, distinguindo-se
principalmente os maias, cujas famosas pirâmides existentes em Mitla, Uxmal e
Chichen-Iza, erigidas para túmulos, são dos mais admirados monumentos do Novo
Mundo.
Com Jesus, o triunfador do sepulcro
vazio, o panorama se modifica, porém.
Os mártires, dos primeiros séculos
de fé, tiveram os corpos guardados em humildes criptas nas necrópoles
abandonadas, em que o amor exaltava a vida imperecível, através de dísticos da
saudade e da confiança, que ainda hoje sensibilizam.
Todavia, para o próprio Rabi, o
Cristianismo, quando se paganizou, construiu igreja adornada de metais
preciosos e pedra caras, imortalizando o lugar de sua sepultura vazia, por Ele
abandonada desde a madrugada do terceiro dia, para atestar ser Ele próprio a
Ressurreição e a Vida...
E, desde então, novos palácios em
formas de mausoléus grandiosos voltaram a ser erigidos, a fim de guardarem as
cinzas e o pó dos que partiram...
Com Allan Kardec, que desdobrou as
paisagens da vida imortal ao homem atônito do século XIX, a sepultura perdeu o
mistério que a envolvia e o amor se libertou da carne para voltar-se em direção
do Espírito imperecível.
Não mais homenagens aos despojos,
que para nada servem.
Nem obras de arte para glorificar
aquele que talvez esteja de volta, novamente, no torvelinho da carne...
Nem perfumes que se transformarão
em miasmas.
Nem débeis círios que não clareiam
a consciência.
Nem ritos pomposos que não conduzem
a fé aos ignotos recessos do Espírito...
É por esse motivo que os discípulos
da Terceira Revelação, materializando seu amor ao infatigável obreiro que foi
Allan Kardec, doaram a seu corpo no Père Lachaise o singelo dólmen que,
simbolizando o caráter granítico do Codificador, é encimado pelo lapidar
conceito: "Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a
Lei", expressando que o herói, após a cruenta batalha, ali não mais está.
Livro: "À Luz do
Espiritismo" - Divaldo P. Franco - Vianna de Carvalho