24.5.20

E Daí?


Por que sofremos tanto?
O que nos parece essa tortura do não-viver?
Até parece que tudo conspira para o caos.
Não vejo senão dúvidas nos rostos das pessoas.
Pra lá e pra cá, elas se vestem de mil ilusões e não se encontram com elas mesmas.
Quando é natal, ao menos, se trocam presentes e, diante do caos, o que se pode trocar?
Elas inventam. Tomam precauções. Pensam no futuro. Olham além da janela e perguntam-se: - quando tudo isso vai passar?
Eu sei que há um tremendo fulgor daqueles que entendem que tudo está predestinado, mas e daí?
Daí que nem todos sequer entenderão a troca de sinais.
Daí que o flagelo da secura dos sentimentos ainda impera em muitos corações frios.
Daí que um vazio invade o ser que continua a questionar – e daí?
Ao que parece, um dia tudo isso vai ter um fim. Um dia tudo vai voltar ao normal, mas que normal?
Aquela vidinha de leva-e-traz?
Aquela vidinha de Maria vai com as outras?
Aquela vidinha de qual será a próxima festa?
Mundo de ilusões a cobrir a desesperança e a desorganização de si mesmo.
Outrora, tínhamos utopias e hoje, o que temos no balcão?
Todos febris por um motivo para viver.
Todos querendo ter algo para torcer.
O resto da vida será a mesma coisa que eu planejei ou tudo terá que ser diferente?
As perguntas ainda fazem algum sentido para aqueles que desejam sair do nada e encontrar algo em algum lugar, mas o que dizer daqueles que nem sabem o que é uma pergunta.
Tudo parece muito estéril, um tanto de mistério, alguma coisa para se levar à sério, mas e daí?
Eu tenho as perguntas e também procuro as respostas e não me venham me cobrar argumentos definitivos somente porque morri.
Ah! Essa é outra história, sem começo nem fim.
Tudo parece vazio, no entanto, algo há de se encontrar, não vale à pena perder toda a esperança.
Há atmosfera onde parece tudo terminar.
Há vida onde se imagina tudo ceifar.
Há sorriso quando tudo leva a soluçar.
Eu estou aqui e é isso que importa, vida além da vida, paz além do luar, flores no caminhar.
O sol há de brilhar além das ilusões do poder.
Todos estão aqui a gritar:
- Finalmente tudo está por renovar. Que alegria viver!
Deixo o meu velho cigarro no chão, levanto a cabeça e pergunto se serei eu mesma depois de tudo isso.
E alguém dentro de mim responde:
- Claro, um ser mais liberto.
Eis a pergunta que nunca vai faltar:
- E daí?
Clarisse Lispector

- Aguardem a publicação do próximo texto dela.
De: blogdecarlospereira.blogspot.com

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