- Conheçamos a nossa equipagem mediúnica - disse o
orientador.
E, detendo-se ao pé do companheiro encarnado que regia os
trabalhos, apresentou:
- Este é o nosso irmão Raul Silva, que dirige o núcleo com
sincera devoção à fraternidade. Correto no desempenho dos seus deveres e
ardoroso na fé, consegue equilibrar o grupo na onda de compreensão e
boa-vontade que lhe é característica. Pelo amor com que se desincumbe da
tarefa, é instrumento fiel dos benfeitores desencarnados, que lhe identificam
na mente um espelho cristalino, retratando-lhes as instruções.
Logo após, caminhou na direção de uma senhora muito jovem e,
designando-a, explicou:
- Eis nossa irmã Eugênia, médium de grande docilidade, que
promete brilhante futuro na expansão do bem. Excelente órgão de
transmissão,coopera com eficiência na ajuda aos desencarnados em desequilíbrio.
Intuição clara, aliada a distinção moral, tem a vantagem de conservar-se
consciente, nos serviços de intercâmbio, beneficiando-nos a ação.
Quase rente, parou à esquerda de um rapaz de seus trinta
anos presumíveis e informou:
- Aqui temos nosso amigo Anélio Araújo. Vem conquistando
gradativo progresso na clarividência, na clariaudiência e na psicografia.
Em seguida, abeirou-se de um cavalheiro simpático e
notificou:
- Este é o nosso colaborador Antônio Castro, moço
bem-intencionado e senhor de valiosas possibilidades em nossas atividades de
permuta. Sonâmbulo, no entanto, é de uma passividade que nos requer grande
vigilância. Desdobra-se com facilidade, levando a efeito preciosas tarefas de
cooperação conosco, mas ainda necessita de maiores estudos e mais amplas
experiências para expressar-se com segurança, acerca das próprias observações.
Por vezes, comporta-se, fora da matéria densa, à maneira de uma criança,
comprometendo-nos a ação. Quando empresta o veículo a entidades dementes ou
sofredoras, reclama-nos cautela, porquanto quase sempre deixa o corpo à mercê
dos comunicantes, quando lhe compete o dever de ajudar-nos na contenção deles,
a fim de que o nosso tentame de fraternidade não lhe traga prejuízo à
organização física. Será, porém, valioso auxiliar em nossos estudos.
Movimentando-se algo mais, o Assistente estacou diante de
respeitável senhora, que se mantinha em fervorosa prece, e exclamou:
- Apresento-lhes agora nossa irmã Celina, devotada
companheira de nosso ministério espiritual. Já atravessou meio século de
existência física, conquistando significativas vitórias em suas batalhas
morais. Viúva, há quase vinte anos, dedicou-se aos filhos, com admirável
denodo, varando estradas espinhosas e dias escuros de renunciação. Suportou
heroicamente o assédio de compactas legiões de ignorância e miséria que lhe
rodeavam o esposo, com quem se consorciara em tarefa de sacrifício. Conheceu,
de perto, a perseguição de gênios infernais a que não se rendeu e, lutando, por
muitos anos, para atender de modo irrepreensível às obrigações que o mundo lhe
assinalava, acrisolou as faculdades medianímicas, aperfeiçoando-as nas chamas
do sofrimento moral, como se aprimoram as peças de ferro sob a ação do fogo e
da bigorna. Ela não é simples instrumento de fenômenos psíquicos. É abnegada
servidora na construção de valores do espírito. A clarividência e a
clariaudiência, a incorporação sonambúlica e o desdobramento da personalidade
são estados em que ingressa, na mesma espontaneidade com que respira, guardando
noção de suas responsabilidades e representando, por isso, valiosa colaboradora
de nossas realizações. Diligente e
humilde, encontrou na plantação do amor fraterno a sua maior alegria e,
repartindo o tempo entre as obrigações e os estudos edificantes, transformou-se
num acumulador espiritual de energias benéficas, assimilando elevadas correntes
mentais, com o que se faz menos acessível às forças da sombra.
Realmente, ao lado da irmã sob nossa vista, fruíamos
deliciosa sensação de paz e reconforto.
Provavelmente fascinado pela onda de alegria indefinível em
que nos banhávamos, Hilário indagou:
- Se extraíssemos agora uma ficha psicoscópica de dona
Celina, a posição dela, como a estamos registrando, seria devidamente
caracterizada?
- Perfeitamente - elucidou Áulus, de pronto - ;
assinalar-lhe-ia as emanações fluídicas de bondade e compreensão, fé e bom
ânimo. Assim como a Ciência na Terra consegue catalogar os elementos químicos
que entram nas formações de
Matéria densa, em nosso campo de matéria rarefeita é possível
analisar o tipo de forças sutis que dimanam de cada ser. Mais tarde, o homem
poderá examinar uma emissão de otimismo ou de confiança, de tristeza ou
desesperação e fixar-lhes a densidade e os limites, como já pode separar e
estudar as radiações do átomo de urânio. Os princípios mentais são mensuráveis
e merecerão no porvir excepcionais atenções, entre os homens, qual acontece na
atualidade com os fotônios, estudados pelos cientistas que se empenham em
decifrar a constituição específica da luz
Depois de ligeiro intervalo, o Assistente aduziu:
- Uma ficha psicoscópica, sobretudo, determina a natureza de
nossos pensamentos e, através de semelhante auscultação, é fácil ajuizar dos
nossos méritos ou das nossas necessidades.
Logo após, nosso orientador convocou-nos a exame detido,
junto ao campo encefálico da irmã Celina, acentuando:
- Em todos os processos medianímicos, não podemos esquecer a
máquina cerebral como órgão de manifestação da mente. Decerto, já possuem
conhecimentos adequados em torno do aparelhamento orgânico, dispensando-nos a
atenção em particularidades técnicas sobre o vaso carnal.
E afagando-lhe a cabeça pintalgada de cabelos brancos,
acrescentou:
- Bastar-nos-á sucinto exame da vida intracraniana, onde
estão assentadas as chaves de comunicação entre o mundo mental e o mundo
físico.
Centralizando a atenção, através de pequenina lente que
Áulus nos estendeu, o cérebro de nossa amiga pareceu-nos poderosa estação
radiofônica, reunindo milhares de antenas e condutos, resistências e ligações
de tamanho microscópico, à disposição das células especializadas em serviços
diversos, a funcionarem como detectores e estimulantes, transformadores e
ampliadores da sensação e da idéia, cujas vibrações fulguravam aí dentro como
raios incessantes, iluminando um firmamento minúsculo.
O Assistente observou conosco aquele precioso labirinto, em
que a epífise brilhava como pequenino sol azul, e falou:
- Não nos convém relacionar minudências relativas ao cérebro
e ao sistema nervoso em geral, com as quais se encontram vocês
familiarizados nos conhecimentos humanos
comuns.
Nesse instante, reparei admirado os feixes de associação
entre a células corticais, vibrando com a passagem do fluxo magnético do
pensamento.
- Recordemos - prosseguiu o instrutor - que o delicado
aparelho encefálico reúne milhões de células, que desempenham funções
particulares, quais sejam as dos trabalhadores em fila hierárquica, na
harmoniosa estrutura de um Estado.
E, enumerando determinadas regiões, trecho a trecho, daquele
reino pensante, declarou:
- Não precisaremos alongar digressões. As experiências
adquiridas pela alma constituem maravilhosas sínteses de percepção e
sensibilidade, na condição de Espíritos libertos em que nos encontramos, mas
especificam-se no equipamento de matéria densa como núcleos de controle das
manifestações da individualidade, perfeitamente analisáveis. É assim que a alma
encarnada possui no cérebro físico os centros especiais que governam a cabeça,
o rosto, os olhos, os ouvidos e os membros, em conjunto com os centros da fala,
da linguagem, da visão, da audição, da memória, da escrita, do paladar, da
deglutição, do tato, do olfato, do registro de calor e frio, da dor, do
equilíbrio muscular, da comunhão com os valores internos da mente, da ligação
com o mundo exterior, da imaginação, do gosto estético, dos variados estímulos
artísticos e tantos outros quantas sejam as aquisições de experiências
entesouradas pelo ser, que conquista a própria individualidade, passo a passo e
esforço a esforço, enaltecendo-a pelo trabalho constante para a sublimação
integral, à face de todas as vias de progresso e aprimoramento que a terra lhe
possa oferecer.
Breve pausa surgiu espontânea.
E porque Hilário e eu não ousássemos interferir, o
Assistente continuou:
- Não podemos realizar qualquer estudo de faculdades
medianímicas, sem o estudo da personalidade. Considero, assim, de extrema
importância a apreciação dos centros cerebrais, que representam bases de
operação do pensamento e da vontade, que influem de modo compreensível em todos
os fenômenos mediúnicos, desde a intuição pura à materialização objetiva. Esses
recursos, que merecem a defesa e o auxílio das entidades sábias e benevolentes,
em suas tarefas de amor e sacrifício junto dos homens, quando os medianeiros se
sustentam no ideal superior da bondade e do serviço ao próximo, em muitas
ocasiões podem ser ocupados por entidades inferiores ou animalizadas, em
lastimáveis processos de obsessão.
- Mas - interpôs Hilário, judicioso - , diante de um campo
cerebral tão iluminado quanto o de nossa irmã Celina, será lícito aceitar a
possibilidade de invasão dele por parte de Inteligências menos evolvidas? Será
cabível semelhante retrocesso?
- Não podemos olvidar - considerou o Assistente - que Celina
se encontra encarnada numa prova de longo curso e que , nos encargos de
aprendiz, ainda se encontra muito longe de terminar a lição.
Meditou um momento e filosofou bem-humorado:
- Numa viagem de cem léguas podem ocorrer muitas surpresas
no derradeiro quilômetro do caminho.
Logo após, colocando a destra paternal sobre a fronte da
médium, prosseguiu:
- Nossa irmã vem atravessando os seus testemunhos de
boa-vontade, fé viva, caridade e paciência. Tanto quanto nós, ainda não possui
plena quitação com o passado. Somos vasta legião de combatentes em vias de
vencer os inimigos que nos povoam a fortaleza íntima ou o mundo de nós mesmos,
inimigos simbolizados em nossos velhos hábitos de convívio com a natureza
inferior, a nos colocarem em sintonia com os habitantes das sombras, evidentemente
perigosos ao nosso equilíbrio. Se nossa amiga Celina, quanto qualquer de nós,
abandonar a disciplina a que somos constrangidos para manter a boa forma na
recepção da luz, rendendo-se às sugestões da vaidade ou do desânimo, que
costumamos fantasiar como sendo direitos adquiridos ou injustificável
desencanto, decerto sofrerá o assédio de elementos destrutivos que lhe
perturbarão a nobre experiência atual de subida. Muitos médiuns se arrojam a
prejuízos dessa ordem. Depois de ensaios promissores e começo brilhante,
acreditam-se donos de recursos espirituais que lhes não pertencem ou temem as
aflições prolongadas da marcha e recolhem-se à inutilidade, descendo de nível
moral ou conchegando-se a improdutivo repouso, porquanto retomam
inevitavelmente a cultura dos impulsos primitivos que o trabalho incessante no
bem os induziria a olvidar.
E sorrindo:
- Ainda não chegamos à vitória suprema sobre nós mesmos.
Achamo-nos na condição do solo terrestre, que não prescinde do arado protetor
ou da enxada prestimosa, a fim de produzir. Sem os instrumentos do trabalho e
da luta, aperfeiçoando-nos as possibilidades, estaríamos permanentemente
ameaçados pela erva daninha que mais se alastra e se afirma, tanto quanto
melhor é a qualidade do trato de terra em abandono.
Fitando-nos, de frente, como a recordar o peso das
responsabilidades de que nos investíamos, completou:
- Nossas realizações espirituais do presente são pequeninas
réstias de claridade sobre as pirâmides de sombra do nosso passado. È
imprescindível muita cautela com as sementeiras do bem para que a ventania do
mal não as arrase. È por isso que a tarefa mediúnica, examinada como
instrumentação para a obra das Inteligências superiores, não é tão fácil de ser
conduzida a bom termo, de vez que, contra o canal ainda frágil que se oferece à
passagem da luz, acometem as ondas pesadas de treva da ignorância, a se
agitarem, compactas, ao nosso derredor.
Calou-se o Assistente.
Dir-se-ia que ele também agora se ligava ao campo magnético
dos amigos em silêncio, para o trabalho da reunião prestes a começar.
Livro: "Nos
Domínios da Mediunidade" Francisco
C Xavier - André Luiz