Avaliando as circunstâncias
do movimento espírita em 1934, Silvino Canuto Abreu, após suas profundas
análises do desvio ocorrido ao Espiritismo originalmente proposto por Kardec,
das quais oferecemos trechos, afirmou na parte final de seu artigo inédito “O
Espiritismo e as religiões”:
Por não querer seguir os preceitos de Kardec, é que a Diretoria da Federação
Espírita Brasileira tem semeado de incoerências a doutrina, desorientando os
grupos que se deixam embair por mistificações emanadas de falsas autoridades,
aceitas de pronto sem maduro exame. Até comunicações eivadas de ignorância e
misticismo, ou de erros crassos, facilmente reconhecíveis, por violarem as leis
físicas e os fundamentos da Doutrina que dizem professar, eles as aceitam como
ouro de lei, dando-lhes curso. E à semelhança dos católicos que, a despeito de
fraudarem a obra do Nazareno, continuam a se proclamar cristãos, assim aqueles
reformadores, renegando os princípios básicos da filosofia espiritualista,
continuam a se dizer discípulos de Kardec. E tão longe levam a sua
intransigência que, não contentes com serem religiosos, pretendem fazer de suas
crenças a religião do Espiritismo. É sempre a mesma incompatibilidade do
fanatismo com ciência; à força de querer aumentar os seus santos, o místico não
recua diante do absurdo e, suprimindo a razão, coloca-os acima do próprio Deus.
Do erro inicial, surgem às vezes graves consequências. O Espiritismo entrou no
Brasil por adesão de algumas inteligências corajosas, de entre as quais se
destacavam pelo ardor combativo os doutores Bezerra de Menezes, Dias da Cruz e
Bittencourt Sampaio. Infelizmente os hábitos devocionais, trazidos da Igreja
por aqueles lidadores, preponderaram na sua nova orientação, imprimindo-lhe uma
feição cultural em desacordo com a Doutrina. Ao parecer deles (e tal foi o erro
inicial), não se podia ser espírita sem ser forçosamente devoto de Cristo.
Assim, uma questão de fé estranha à ciência, tenderia desde logo a abrir cisões
entre adeptos procedentes de outras igrejas que, sem prejuízo da Doutrina,
tinham direito a seguir uma orientação acorde com os ditames de sua
consciência. Nasceu daí a falsa concepção de um Espiritismo sectário. Retomando
a herança daqueles campeões, a Federação Espírita concebeu o plano de
nacionalizar a nova filosofia, dando-lhe uma interpretação brasileira e
esperando impingi-la ao resto do mundo como sendo a verdadeira doutrina. É como
se alguém pretendesse criar uma álgebra brasileira, uma química nacional, uma
astronomia americana, uma anatomia para uso particular de nossa raça.
Trecho do livro: Autonomia -
a história jamais contada do Espiritismo - Paulo Henrique de Figueiredo.
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