1.12.19

A Mesma Causa


Há vinte anos que vivo no mundo dos mortos. Há vinte anos que deixei o corpo físico para viver no mundo dos espíritos. Sou outro Helder em muitos aspectos. A vida espiritual nos proporciona uma variedade de aprendizados inimagináveis e que impacta decisivamente na sua forma de pensar e de ser.
Sou Helder renovado, ampliado, diferente em proporção e essência, mas há coisas que não consegui ainda me desvencilhar e uma delas é a minha intransigência em ver as injustiças grassarem na Terra. Sobre isto não posso e não vou me calar.
Há muitos anos, quando vivi na Cidade do Rio de Janeiro tive a aproximação de maneira mais forte com a pobreza e a miséria humana. Era terrível ver as condições sub-humanas que via e não fazer algo contra aquele estado de coisas. Fui à luta, no meu posto, a busca de soluções alternativas para livrar o meu povo daquela situação.
Ao vir para o Recife e Olinda me deparei com o mesmo quadro e minha luta só fez continuar. Percebi, então, que este mosaico era representativo para as principais partes do mundo, ocidental e oriental, não havia privilégio.
Minha luta, portanto, foi contra as injustiças, causas primeiras geradoras da pobreza e da miséria.
Enquanto ficava na periferia dos problemas, era tido como o padre certo para a causa certa. O anteparo ideal para afastar pobres de ricos e conter qualquer movimento de levante social. Quando, porém, passei a apontar as causas nefandas deste quadro de injustiças, aí fui apontado como subversivo, comunista, bispo vermelho...
Pois bem, não vou deixar de combater o bom combate.
Já faço isso a algum tempo por essas paragens. Já luto em diversas frentes para aliviar estes problemas e aqui tem sido uma das trincheiras dessa luta.
E por que ainda lutar?
Depois de vinte anos ausente do quadro terreno, em carne e osso, percebo claramente que nada mudou. No mundo e em nosso País.
As guerras urbanas permanecem.
Os êxodos continuam firmes.
A violência, filha da miséria, se amplia.
O desespero se agiganta.
A desesperança cresce.
Isto tudo porque não aprendemos a pensar diferente do modelo que exclui em vez de juntar, que amplia desigualdades em vez de diminui-las.
Sou o mesmo Helder neste sentido e sempre serei até ver calar este estado de injustiças.
O mundo está em estado de pólvora. Na América Latina esta situação está insustentável. O Estado que deveria atuar como mediador de conflitos sociais atua como protetor dos ricos e privilegiados. Uma falsa noção de “direita” tomou conta da cabeça de muitos intelectuais e da nossa gente, confundindo injustiça com corrupção, embora elas estejas interligadas, uma não é a outra.
A corrupção faz parte da imperfeição humana que se apresentará onde houver disponibilidade para isso, seja qual for o flanco ideológico. Pode surgir, portanto, em ambiente com discursos progressistas ou em palanques aderentes ao capital, onde, aliás, ela sempre prosperou.
Separemos, neste caso, uma coisa de outra. O que estamos nos referindo aqui é numa mudança social que, via de regra, começa numa mudança individual.
O povo precisa se emancipar. Estar além de seus representantes, caso eles não se legitimem na prática pelas suas posições.
Não podemos ficar a mercê de discursos vazios e desumanizantes. Lembro que o ser humano deve ir ao encontro de outro ser humano e não do capital aviltante. Dinheiro é meio para se obter prosperidade terrena, mas não a finalidade existencial do ser humano.
Ser humano é alimentado de solidariedade, de compaixão, de justiça, de amor, enfim.
O capital é frio, é concentrante, é excludente, é injusto em mãos irresponsáveis e egoístas.
Fazer a apologia ao capital é fazer reverência ao materialismo e ao farisaísmo econômico como fonte da riqueza social.
O Brasil precisa mudar – e está mudando. Muitas coisas já estão sendo feitas – e outras virão. Mas jamais baixar a cabeça diante de impropérios que estão sendo ditos, de decisões alarmantemente antidemocráticas e desumanas.  Jamais subtrair direitos, mas ajustá-los, quando muito, a realidade, sem perder jamais a sua essencialidade.
Vivemos, assim, nesse embate social e político.
Vai passar, mas deixará marcas profundas. O conflito em si é bem-vindo. Quanta gente hoje está atenta aos seus direitos e pensando mais sobre política, algo que não fazia há alguns anos. Tudo tem dois lados – no mínimo.
Façamos um novo Brasil e um novo planeta. Tudo está em jogo, inclusive a nossa sobrevivência, mas ancoremos em bases seguras, quais aquelas que nos foram dadas pelo nosso senhor Jesus Cristo. Tudo está no seu Evangelho, irmãos. Olhemos para ele com olhos mais generosos e cuidemos de colocar em prática aquilo que lemos na letra.
O mundo sobreviverá ao caos que já se instala, mas será outro mundo e outro País. Vamos aprender a sermos humanos de verdade.

Helder Camara – Blog Novas Utopias

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