Há vinte anos que vivo no
mundo dos mortos. Há vinte anos que deixei o corpo físico para viver no mundo
dos espíritos. Sou outro Helder em muitos aspectos. A vida espiritual nos
proporciona uma variedade de aprendizados inimagináveis e que impacta decisivamente
na sua forma de pensar e de ser.
Sou Helder renovado,
ampliado, diferente em proporção e essência, mas há coisas que não consegui
ainda me desvencilhar e uma delas é a minha intransigência em ver as injustiças
grassarem na Terra. Sobre isto não posso e não vou me calar.
Há muitos anos, quando vivi
na Cidade do Rio de Janeiro tive a aproximação de maneira mais forte com a
pobreza e a miséria humana. Era terrível ver as condições sub-humanas que via e
não fazer algo contra aquele estado de coisas. Fui à luta, no meu posto, a
busca de soluções alternativas para livrar o meu povo daquela situação.
Ao vir para o Recife e Olinda
me deparei com o mesmo quadro e minha luta só fez continuar. Percebi, então,
que este mosaico era representativo para as principais partes do mundo,
ocidental e oriental, não havia privilégio.
Minha luta, portanto, foi
contra as injustiças, causas primeiras geradoras da pobreza e da miséria.
Enquanto ficava na periferia
dos problemas, era tido como o padre certo para a causa certa. O anteparo ideal
para afastar pobres de ricos e conter qualquer movimento de levante social.
Quando, porém, passei a apontar as causas nefandas deste quadro de injustiças,
aí fui apontado como subversivo, comunista, bispo vermelho...
Pois bem, não vou deixar de
combater o bom combate.
Já faço isso a algum tempo
por essas paragens. Já luto em diversas frentes para aliviar estes problemas e
aqui tem sido uma das trincheiras dessa luta.
E por que ainda lutar?
Depois de vinte anos ausente
do quadro terreno, em carne e osso, percebo claramente que nada mudou. No mundo
e em nosso País.
As guerras urbanas
permanecem.
Os êxodos continuam firmes.
A violência, filha da
miséria, se amplia.
O desespero se agiganta.
A desesperança cresce.
Isto tudo porque não
aprendemos a pensar diferente do modelo que exclui em vez de juntar, que amplia
desigualdades em vez de diminui-las.
Sou o mesmo Helder neste
sentido e sempre serei até ver calar este estado de injustiças.
O mundo está em estado de
pólvora. Na América Latina esta situação está insustentável. O Estado que
deveria atuar como mediador de conflitos sociais atua como protetor dos ricos e
privilegiados. Uma falsa noção de “direita” tomou conta da cabeça de muitos
intelectuais e da nossa gente, confundindo injustiça com corrupção, embora elas
estejas interligadas, uma não é a outra.
A corrupção faz parte da
imperfeição humana que se apresentará onde houver disponibilidade para isso,
seja qual for o flanco ideológico. Pode surgir, portanto, em ambiente com
discursos progressistas ou em palanques aderentes ao capital, onde, aliás, ela
sempre prosperou.
Separemos, neste caso, uma
coisa de outra. O que estamos nos referindo aqui é numa mudança social que, via
de regra, começa numa mudança individual.
O povo precisa se emancipar.
Estar além de seus representantes, caso eles não se legitimem na prática pelas
suas posições.
Não podemos ficar a mercê de
discursos vazios e desumanizantes. Lembro que o ser humano deve ir ao encontro
de outro ser humano e não do capital aviltante. Dinheiro é meio para se obter
prosperidade terrena, mas não a finalidade existencial do ser humano.
Ser humano é alimentado de
solidariedade, de compaixão, de justiça, de amor, enfim.
O capital é frio, é
concentrante, é excludente, é injusto em mãos irresponsáveis e egoístas.
Fazer a apologia ao capital é
fazer reverência ao materialismo e ao farisaísmo econômico como fonte da
riqueza social.
O Brasil precisa mudar – e
está mudando. Muitas coisas já estão sendo feitas – e outras virão. Mas jamais
baixar a cabeça diante de impropérios que estão sendo ditos, de decisões
alarmantemente antidemocráticas e desumanas.
Jamais subtrair direitos, mas ajustá-los, quando muito, a realidade, sem
perder jamais a sua essencialidade.
Vivemos, assim, nesse embate
social e político.
Vai passar, mas deixará
marcas profundas. O conflito em si é bem-vindo. Quanta gente hoje está atenta
aos seus direitos e pensando mais sobre política, algo que não fazia há alguns
anos. Tudo tem dois lados – no mínimo.
Façamos um novo Brasil e um
novo planeta. Tudo está em jogo, inclusive a nossa sobrevivência, mas ancoremos
em bases seguras, quais aquelas que nos foram dadas pelo nosso senhor Jesus
Cristo. Tudo está no seu Evangelho, irmãos. Olhemos para ele com olhos mais
generosos e cuidemos de colocar em prática aquilo que lemos na letra.
O mundo sobreviverá ao caos
que já se instala, mas será outro mundo e outro País. Vamos aprender a sermos
humanos de verdade.
Helder Camara – Blog Novas
Utopias
Nenhum comentário:
Postar um comentário