Até que ponto o homem
consegue sentir a dor de outro homem?
Fico pensando nisto olhando
para aqueles dias agora distantes da minha época quando estava vivo no corpo
físico entre vocês.
O que vivenciei foi uma
situação sui generis comparada ao que vocês vivem hoje. A escravidão descoberta
e a escravidão revelada.
A escravidão descoberta, a do
meu tempo, dizia respeito ao completo abandono aos direitos humanos dos negros
que aqui aportavam vindos em caravanas hediondas normalmente da África.
Aquele comboio de humanos
considerados bichos por muitos eram açoitados, despidos, desrespeitados em suas
vontades, completamente subjugados. Algo inacreditável para se conceber no dia
de hoje. Era uma sociedade nitidamente que separava estes dois entes e tudo era
considerado absolutamente normal.
A escravidão revelada é
aquela que se vive hoje nos porões das fábricas imundas, dos subempregos, dos
biscates, dos remendos de trabalho e uma enorme quantidade de ocupações sem
critério ou direito e apesar de toda uma legislação existente é tratado de
maneira diferenciada e ninguém diz nada. Já é considerado normal.
Um e outro representam a
subjugação humana. Um ato contínuo e explícito de desobediência às leis
protetoras do trabalho. Tudo, porém, corre numa aparente normalidade e
tolerância.
Carteira de trabalho, cada
vez mais, parecerá objeto de estimação dada a inexistência dela ou será apenas
um velho documento guardado em algum lugar da casa. Sem valia.
Claro que os tempos mudam e
modificam-se as leis de trabalho em consonância com os tempos novos da
tecnologia do conhecimento e digital, mas por trás de todo empreendimento há
pessoas que devem possuir o respeito aos seus direitos mínimos.
Esse desrespeito é guardado a
sete chaves e disfarçado, não era, porém, assim em tempos idos. Era
frontalmente ignorado. Negro e nada se equivaliam em termos de direito. Os
poucos negrinhos do Ventre Livre foram aos devagar ensejando a criação de uma
classe nova e inusitada: a nova geração de negros livres. E onde ela caberia
numa sociedade de mentalidade escravocrata?
Ficava à margem de tudo e se
constituiu aos poucos uma base de resistência nos Quilombos contra o império do
arbítrio dos senhores de engenho e outros tais.
Que vexame na nossa história!
Também que oportunidade gloriosa de redenção e paz.
Vi negros sendo chicoteados
bem mais do que animais.
Vi negros sendo jogados ao
léu como moeda podre porque não serviam para nada.
Vi negros sendo mortos pelo
excesso de carga e trabalho e abandonados na rua para não o encargo de leva-los
para algum lugar e enterrá-los.
Depois ficava o preconceito e
a tentativa de diminuição de qualquer movimento emancipacionista de direitos
dos negros.
O combate febril e incansável
valeu a pena. E como valeu!
A princesa Isabel outorgou a
liberdade negra em 13 de maio de 1888, portanto, há 130 anos exatos. Liberdade
tardia, mas não menos gloriosa.
Havia um papel histórico ali
resgatado, havia, porém, um débito de mais de dois séculos que até hoje não foi
pago, pelo contrário, foi acrescido pelo abandono e pelo descuido do Estado.
Poucos ascenderam
socialmente. Poucos foram reconhecidos. Poucos são cidadãos de destaque.
Poucos, na verdade, têm oportunidade.
É este elo que faço agora com
o tempo espiritual que vivemos. Um tempo onde escravizar, quem quer que seja, é
não somente inadmissível como igualmente intolerável na nova Nação que já está
em construção.
Um País de livres, como aliás
toda a aldeia global, mas a nossa tem que dar exemplo – e exemplo dos bons.
Não adianta discursos bonitos
e mãos vazias.
De nada vale uma lei
brilhante posta de lado.
Que dizer de cotas que significam
migalhas.
Há 130 anos de distância da
Lei Aurea serve-nos de consolo que quase um candidato a presidência concorreria
com alguma chance de êxito. O mesmo que se assentou numa cadeira da corte
suprema de Justiça. Simbólico, mas uma honrosa exceção à regra.
O débito persiste e parece
que é cada vez mais ampliado, haja vista que são os negros os que mais tombam
nos morros e batidas policiais.
São os negros que ainda
aviltam as ruas como pedintes.
São os negros que refugiados
de suas terras natais são tratados como indulgentes e incapazes.
É necessária nova lei áurea
para as consciências adormecidas e preconceituosas que não veem ou não desejam
ver o óbvio de que a lei de ouro deve estar numa consciência livre da submissão
de um humano perante outro ser humano.
Bem-aventurados os que
persistem no embate do bem e do amor. Eles vencerão.
Feliz seja o dia da
libertação definitiva.
Joaquim Nabuco – Blog
Reflexões de um Imortal
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