14.5.18

Nova Lei Áurea


Até que ponto o homem consegue sentir a dor de outro homem?
Fico pensando nisto olhando para aqueles dias agora distantes da minha época quando estava vivo no corpo físico entre vocês.
O que vivenciei foi uma situação sui generis comparada ao que vocês vivem hoje. A escravidão descoberta e a escravidão revelada.
A escravidão descoberta, a do meu tempo, dizia respeito ao completo abandono aos direitos humanos dos negros que aqui aportavam vindos em caravanas hediondas normalmente da África.
Aquele comboio de humanos considerados bichos por muitos eram açoitados, despidos, desrespeitados em suas vontades, completamente subjugados. Algo inacreditável para se conceber no dia de hoje. Era uma sociedade nitidamente que separava estes dois entes e tudo era considerado absolutamente normal.
A escravidão revelada é aquela que se vive hoje nos porões das fábricas imundas, dos subempregos, dos biscates, dos remendos de trabalho e uma enorme quantidade de ocupações sem critério ou direito e apesar de toda uma legislação existente é tratado de maneira diferenciada e ninguém diz nada. Já é considerado normal.
Um e outro representam a subjugação humana. Um ato contínuo e explícito de desobediência às leis protetoras do trabalho. Tudo, porém, corre numa aparente normalidade e tolerância.
Carteira de trabalho, cada vez mais, parecerá objeto de estimação dada a inexistência dela ou será apenas um velho documento guardado em algum lugar da casa. Sem valia.
Claro que os tempos mudam e modificam-se as leis de trabalho em consonância com os tempos novos da tecnologia do conhecimento e digital, mas por trás de todo empreendimento há pessoas que devem possuir o respeito aos seus direitos mínimos.
Esse desrespeito é guardado a sete chaves e disfarçado, não era, porém, assim em tempos idos. Era frontalmente ignorado. Negro e nada se equivaliam em termos de direito. Os poucos negrinhos do Ventre Livre foram aos devagar ensejando a criação de uma classe nova e inusitada: a nova geração de negros livres. E onde ela caberia numa sociedade de mentalidade escravocrata?
Ficava à margem de tudo e se constituiu aos poucos uma base de resistência nos Quilombos contra o império do arbítrio dos senhores de engenho e outros tais.
Que vexame na nossa história! Também que oportunidade gloriosa de redenção e paz.
Vi negros sendo chicoteados bem mais do que animais.
Vi negros sendo jogados ao léu como moeda podre porque não serviam para nada.
Vi negros sendo mortos pelo excesso de carga e trabalho e abandonados na rua para não o encargo de leva-los para algum lugar e enterrá-los.
Depois ficava o preconceito e a tentativa de diminuição de qualquer movimento emancipacionista de direitos dos negros.
O combate febril e incansável valeu a pena. E como valeu!
A princesa Isabel outorgou a liberdade negra em 13 de maio de 1888, portanto, há 130 anos exatos. Liberdade tardia, mas não menos gloriosa.
Havia um papel histórico ali resgatado, havia, porém, um débito de mais de dois séculos que até hoje não foi pago, pelo contrário, foi acrescido pelo abandono e pelo descuido do Estado.
Poucos ascenderam socialmente. Poucos foram reconhecidos. Poucos são cidadãos de destaque. Poucos, na verdade, têm oportunidade.
É este elo que faço agora com o tempo espiritual que vivemos. Um tempo onde escravizar, quem quer que seja, é não somente inadmissível como igualmente intolerável na nova Nação que já está em construção.
Um País de livres, como aliás toda a aldeia global, mas a nossa tem que dar exemplo – e exemplo dos bons.
Não adianta discursos bonitos e mãos vazias.
De nada vale uma lei brilhante posta de lado.
Que dizer de cotas que significam migalhas.
Há 130 anos de distância da Lei Aurea serve-nos de consolo que quase um candidato a presidência concorreria com alguma chance de êxito. O mesmo que se assentou numa cadeira da corte suprema de Justiça. Simbólico, mas uma honrosa exceção à regra.
O débito persiste e parece que é cada vez mais ampliado, haja vista que são os negros os que mais tombam nos morros e batidas policiais.
São os negros que ainda aviltam as ruas como pedintes.
São os negros que refugiados de suas terras natais são tratados como indulgentes e incapazes.
É necessária nova lei áurea para as consciências adormecidas e preconceituosas que não veem ou não desejam ver o óbvio de que a lei de ouro deve estar numa consciência livre da submissão de um humano perante outro ser humano.
Bem-aventurados os que persistem no embate do bem e do amor. Eles vencerão.
Feliz seja o dia da libertação definitiva.
Joaquim Nabuco – Blog Reflexões de um Imortal

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