Em 1799, quando Napoleão se fizera o primeiro
Cônsul da República Francesa, reuniu-se grande assembleia, de espíritos sábios
e benevolentes, Espíritos de velhos batalhadores do progresso que voltariam à
carne ou que a seguiriam, de perto, para o combate à ignorância e a miséria, na
laboriosa preparação da nova era da fraternidade e da luz.
No deslumbrante espetáculo da
Espiritualidade Superior, com a refulgência de suas almas, achavam-se Sócrates,
Platão Aristóteles, Apolônio de Tiana, Orígenes, Hipócrates, Agostinho,
Fénelon, Giordano Bruno, Tomás de Aquino, S.Luis de França, Vicente de Paulo,
Joana D’Arc, Tereza d’Avila, Catarina de Siena, Bossuet, Spinoza, Erasmo,
Mílton, Cristóvão Colombo, Gutenberg, Galileu, Pascal, Swedenborg e Dante
Alighieri para mencionar apenas alguns heróis e paladinos da renovação
terrestre; e, em planos menos brilhantes, encontravam-se, no recinto
maravilhoso, trabalhadores de ordem inferior, incluindo muitos dos ilustres
guilhotinados da Revolução, quais Luís XVI, Maria Antonieta, Robespierre,
Danton, Madame Roland, André Chenier, Bailly, Camile Desmoulins, e grandes
vultos como Voltaire e Rousseau.
Havia também um grupo de
almas, ainda encarnadas, que, constrangidas pela Organização Celeste,
remontavam à vida espiritual, para a reafirmação de compromissos.
À frente, vinha Napoleão, que
centralizou o interesse de todos os circunstantes. Era bem o grande corso, com
os seus trajes habituais e com o seu chapéu característico.
Recebido por diversas figuras
da Roma antiga, que se apressavam em ofercer-lhe apoio e auxilio, o vencedor de
Rivoli ocupou radiosa poltrona que, de antemão, lhe fora preparada.
Entre aqueles que o seguiram,
na singular excursão, encontravam-se respeitáveis autoridades reencarnadas no
Planeta, como Beethoven, Ampère, Fúlton, Faraday, Goethe, João Dálton,
Pestalozzi, Pio VII, além de muitos outros campeões da prosperidade e da
independência do mundo.
Acanhados no veículo
espiritual que os prendia à carne terrestre, quase todos os recém-vindos
banhavam-se em lágrimas de alegria e emoção.
O Primeiro-Cônsul da França,
recebendo o louvor de várias legiões, limitava-se a responder com acenos
discretos, quando os clarins ressoaram. Imediatamente uma estrada de luz, à
maneira de ponte levadiça, projetou-se do Céu, ligando-se ao castelo
prodigioso, dando passagem a inúmeras estrelas resplendentes.
Em alcançando o solo
delicado, contudo, esses astros se transformavam em seres humanos, nimbados de
claridade celestial.
Dentre todos, no entanto, um
deles avultava em superioridade e beleza. Tiara rutilante brilhava-lhe na
cabeça, como que a aureolar-lhe de bênçãos o olhar magnânimo, cheio de atração
e doçura. Na destra, guardava um cetro dourado, a recamar-se de sublimes
cintilações...
Musicistas invisíveis,
através dos zéfiros que passavam apressados, prorromperam num cântico de
hosanas, sem palavras articuladas.
A multidão mostrou profunda
reverência, ajoelhando-se muitos dos sábios e guerreiros, artistas e
pensadores, enquanto todos os pendões dos vexilários arriavam, silenciosos, em
sinal de respeito.
Foi então que o corso se pôs
em lágrimas e, levantando-se, avançou com dificuldade, na direção do mensageiro
que trazia o báculo de ouro, postando-se genuflexo, diante dele.
O celeste emissário, sorrindo
com naturalidade, ergueu-o, de pronto, e procurava abraçá-lo, quando o Céu
pareceu abrir-se diante de todos, e uma voz enérgica e doce, forte como a
ventania e veludosa como a ignorada melodia da fonte, exclamou para o Napoleão,
que parecia eletrizado de pavor e júbilo, ao mesmo tempo:
- Irmão e amigo ouve a
verdade, que te fala em meu espirito! Eis-te à frente do apóstolo da fé, que,
sob a égide do Cristo, descerrará para a Terra atormentada um novo ciclo de
conhecimento...
César ontem, e hoje
orientador, rende o culto de tua veneração, ante o pontífice da luz! Renova,
perante o Evangelho, o compromisso de auxiliar-lhe a obra renascente!...
Aqui se congregam conosco
lidadores de todas as épocas. Patriotas de Roma e das Gálias, generais e
soldados que te acompanham nos conflitos da Farsália, de Tapso e de Munda,
remanescentes das batalhas de Gergóvia e de Alésia aqui te surpreendem com
simpatia e expectação... Antigamente, no trono absoluto, pretendias-te
descendente dos deuses para dominar a Terra e aniquilar os inimigos... Agora,
porém, o Supremo Senhor concedeu-te por berço uma ilha perdida no mar, para que
te não esqueças da pequenez humana e determinou voltasses ao coração do povo
que outrora humilhaste e escarneceste, a fim de que lhe garantas a missão
gigantesca, junto da Humanidade, no século que vamos iniciar.
Colocado pela Sabedoria
Celeste na condição de timoneiro da ordem, no mar de sangue da Revolução, não
olvides o mandato para o qual fostes escolhido.
Não acredites que as vitórias
das quais fostes investido para o Consulado devam ser atribuídas exclusivamente
ao teu gênio militar e político. A Vontade do Senhor expressa-se nas
circunstâncias da vida. Unge-te de coragem para governar sem ambição e reger
sem ódio. Recorre à oração e à humildade para que te não arrojes aos precipícios
da tirania e da violência!...
Indicado para consolidar a
paz e a segurança, necessárias ao êxito do abnegado apóstolo que descortinará a
era nova, serás visitado pelas monstruosas tentações do poder.
Não te fascines pela vaidade
que buscará coroar-te a fronte... Lembra-te de que o sofrimento do povo
francês, perseguido pelos flagelos da guerra civil, é o preço da liberdade
humana que deves defender, até o sacrifício. Não te macules com a escravidão
dos povos fracos e oprimidos e nem enlameies os teus compromissos com o
exclusivismo e com a vingança!...
Recorda que, obedecendo a
injunções do pretérito, renasceste para garantir o ministério espiritual do
discípulo de Jesus que regressa à experiência terrestre, e vale-te da
oportunidade para santificar os excelsos princípios da bondade e do perdão, do
serviço e da fraternidade do Cordeiro de Deus, que nos ouve em seu glorificado
sólio de sabedoria e de amor!
Se honrares as tuas
promessas, terminará a missão com o reconhecimento da posteridade e escalarás horizontes
mais altos da vida, mas, se as tuas responsabilidades forem menosprezadas,
sombrias aflições amontoar-se-ão sobre as tuas horas, que passarão a ser
gemidos escuros em extenso deserto...
Dentro do novo século,
começaremos a preparação do terceiro milênio do Cristianismo na Terra.
Novas concepções de liberdade
surgirão para os homens, a Ciência erguer-se-á a indefiníveis culminâncias, as
nações cultas abandonarão para sempre o cativeiro e o tráfico de criaturas
livres e a religião desatará os grilhões do pensamento que, até hoje,
encarceram as melhores aspirações da alma no inferno sem perdão!...
Confiamos, pois, ao teu
espírito valoroso a governança política dos novos eventos e que o Senhor te
abençoe!...
Cânticos de alegria e
esperança anunciaram nos céus a chegada do século XIX e, enquanto o Espírito da
Verdade, seguido por várias cortes resplandecentes, voltava para o Alto, a
inolvidável assembléia se dissolvia...
O apóstolo que seria Allan
Kardec, sustentando Napoleão nos braços, conchegou-o de encontro ao peito e
acompanhou-o, bondosamente, até religá-lo ao corpo de carne, no próprio leito.
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Em 3 de outubro de 1804, o
mensageiro da renovação renascia num abençoado lar de Lião, mas o
Primeiro-Cônsul da República Francesa, assim que se viu desembaraçado da
influência benéfica e protetora do Espírito de Allan Kardec e de seus cooperadores,
que retomavam, pouco a pouco, a integração com a carne, confiantes e otimistas,
engalanou-se com a púrpura do mando e, embriagado de poder, proclamou-se
Imperador, em 18 de maio de 1804, ordenando a Pio VII viesse coroá-lo em Paris.
Napoleão, contudo,
convertendo celestes concessões em aventuras sanguinolentas, foi apressadamente
situado, por determinação do Alto, na solidão curativa de Santa Helena, onde
esperou a morte, enquanto Allan Kardec, apagando a própria grandeza, na
humildade de um mestre-escola, muita vez atormentado e desiludido, como simples
homem do povo, deu integral cumprimento à divina missão que trazia à Terra,
inaugurando a era espírita-cristã, que, gradativamente, será considerada em
todos os quadrantes do orbe como a sublime renascença da luz para o mundo
inteiro.
Livro Cartas e Crônicas -
Espírito Irmão X - Psicografia Francisco C. Xavier.
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