Estamos vivendo uma fase de
intensa reformulação dos textos bíblicos. A "Palavra de Deus" vem
sendo alterada, modificada e muitas vezes arranjada, de acordo com os
interesses dos homens. Já existe mesmo uma tradução da Bíblia que é aceitável
pelos materialistas. A velha discussão sobre a Vulgata Latina levou os novos
tradutores a recorrerem ao texto hebraico. A tradução clássica do padre
Figueiredo, segundo a Vulgata, é acusada de suspeitas, preferindo-se a do padre
Almeida, que como vimos, também já foi modificada. O religioso esclarecido sabe
muito bem que as versões antigas da Bíblia estão superadas. Mas há os que nada
entendem e consideram o velho livro como intocável e imutável. Esses acreditam
cegamente nas pretensas condenações ao Espiritismo. Para eles, só podemos
repetir as palavras de Jerônimo de Praga, quando uma velhinha beata levou mais
uma acha de lenha para a fogueira em que o queimaram: Sancta Simplicitas".
A tradução dinamarquesa da Bíblia
não trata dos dons espirituais. O teólogo Haraldur Nielsson explica-nos a razão
dessa aparente discrepância. Pasmem os defensores do dogma da graça, que
consideram Deus como chefe do partido a que pertencem! O tradutor categorizado
da Bíblia para o islandês, o ver. Nielsson, que fez a tradução a serviço da
Sociedade Bíblica Inglesa, declara: "No texto grego está a palavra
Espíritos e não a expressão Dons Espirituais". E acrescenta: "Em
muitas traduções da Bíblia, esta passagem foi verificada de maneira confusa
apesar de não haver a menor dúvida quanto à verdadeira significação dos termos
gregos do texto original: "epei zelotai este pneumaten."
Nielsson adverte ainda que os
traduores e revisores da Bíblia nem sempre tiveram a coragem de traduzir com
exatidão os textos originais que se referem claramente à comunicação dos
Espíritos. E faz, corretamente, uma grave denúncia: "Os teólogos prenderam
os seus sistemas em pesadas e estreitas cadeias". A Bíblia, estudada
segundo o espírito que vivifica, sem os prejuízos da letra que mata, revela a
sua face espirítica e portanto mediúnica, como o demonstra o ver. Nielsson e
como afirmou Kardec. Trataremos mais amplamente dos Dons Espirituais.
EPÍSTOLAS TESTEMUNHAM MEDIUNIDADE
APOSTÓLICA
A expressão Dons Espirituais, como
a expressão Espírito Santo, não aparece nos textos bíblicos originais. O ver.
Nielsson declara, com sua autoridade de teólogo e tradutor da Bíblia: "Os
termos da Vulgata Latina, spiritu bonum, correspondem exatamente aos dos
originais gregos. A Vulgata não fala absolutamente em Espírito e Espírito
Santo". Isso, no tocante ao Novo Testamento, pois no Velho só se fala em
Espírito e Espírito de Deus. Quando aos Dons Espirituais, a situação é a mesma.
Essa expressão aparece apenas nos textos paulinos, com a palavra grega
charismata, que significa literalmente mediunidade, ou seja, a graça de ser
intermediário entre os Espíritos e os Homens.
Os estudos do Ver. Haraldur
Nielsson, enfeixados no livrinho O Espiritismo e a Igreja, recentemente
lançado, esclarecem bem este assunto. Nielsson nos mostra, com sua imensa
autoridade, que a palavra transe vem da Bíblia, derivando diretamente de
êxtase. Eis uma das suas afirmações: "O próprio Paulo nos diz que estava
frequentemente em transe. O apóstolo Pedro conta-nos a mesma coisa". E a
propósito de João e sua advertência para examinarmos "se os Espíritos são
de Deus", lembra que Paulo também adverte que: "... ninguém que fala
pelo Espírito de Deus diz anátemas contra Jesus..." (I Cor. XII:3). A
mediunidade era usada entre os judeus e entre os cristãos primitivos, e
Nielsson acentua textualmente: "Segundo a concepção dos tempos
apostólicos, os Espíritos podiam ser bons ou maus, muito evoluídos ou
inferiores e atrasados". Isto explica as advertências apostólicas, pois
nas assembleias cristãs manifestavam-se também os maus Espíritos, amaldiçoando
o Cristo para defenderem o Judaísmo ortodoxo ou mesmo para defenderem as
religiões politeístas, que também usavam a mediunidade.
Vemos assim como são inúteis os
ataques ao Espiritismo em nome da Bíblia, que é um livro mediúnico. E como os
espiritistas e o Espiritismo nada têm a temer da Bíblia, separar o que há nela
de humano e divino, não aceitá-la de olhos fechados, dogmaticamente, como
"a palavra de Deus", o que é simples absurdo proveniente de épocas de
fanatismo. A Bíblia é muito valiosa para os espiritistas estudiosos, porque é o
maior e mais vigoroso testemunho da verdade espírita na Antiguidade.
Livro: VISÃO ESPÍRITA DA
BÍBLIA - J. Herculano Pires