Onde estariam os meus pensamentos se não fossem para declarar a minha total servidão ao Senhor Jesus?
A minha vida toda na Terra foi dedicada a
uma causa que conheci em tenra idade, a abolição da escravatura negra. Que bom
para mim ter uma causa para lutar. Ao tentar abolir o regime de servidão estava,
sem o saber, servindo a uma causa maior: a causa do Cristo.
O que o Cristo nos ensina a não ser o regime
do amor? O amor é que deve presidir os nossos pensamentos e as nossas ações.
Deve ser o nosso primeiro e único impulso, a razão de ser da própria vida.
Ao lutar pela libertação definitiva dos
negros brasileiros estava lutando pela causa do amor, a qual não permite ver
nenhuma pessoa superior a outra, diferente em seus direitos.
Quando Jesus ensinou o amor na Terra tinha
plena consciência da enorme distância que separava a sua pregação da realidade
dos homens. Tinha tanta convicção de que não compreenderíamos a sua palavra na
sua inteireza que prometeu enviar um Consolador e nos garantir que estaria ao
nosso lado até o final dos dias.
Sabia Jesus, portanto, da limitação humana
diante daquele conceito grandioso que era portador, pela letra e pelo seu
próprio espírito. A riqueza do amor não é compreendida até hoje haja vista que
muitos preferem se empanturrar de bens materiais em detrimento dos verdadeiros
bens que são os de origem espiritual.
Pois bem, a escravidão era, em última
análise, um ato de antiamor, ou melhor, de desamor.
Como conciliar a palavra libertadora do
Cristo com o servilismo do negro?
Era tudo muito incompatível e, por esta
razão, refutei em me aproximar de Jesus representado pela Igreja durante muito
tempo. A reação que deveria se ver no seio da Casa do Cristo era inverso.
Quando não se ouvia a crítica perante os movimentos emancipacionistas, havia o
acobertamento das traições viris que se tem notícia dos abusos contra os
negros.
Poucos eram os padres que se vestiam da
hombridade de defender a liberdade de todos. Tinham medo de perder o apoio das
suas paróquias e ficar reduzida a meia dúzia de crentes pingados. Este temor
pelo vazio de suas sacristias fez com que a maioria deles renegasse a abolição
da escravatura.
Hoje entendo o contexto em que eles estavam
inseridos, o que não quer dizer que aceito, ou que eles estavam certos. O fato
é que Jesus teria tido, como teve na sua época, outra postura diante dos
poderosos de então.
É certo que a escravidão se faz hoje de
outro modo, mas a maneira cruel, desrespeitosa, sanguinolenta, como eram
tratados os nossos irmãos de cor negra nos idos dos séculos 17 a 19 eram terríveis à
condição humana.
Posso vê-los, sem dúvida alguma, a copiar o
sofrimento do Cristo nos seus últimos momentos entre nós.
Muitos foram julgados arbitrariamente. Foram
surrados em lugar
público. Suas vestes rasgadas. Seu destino traçado. Sua morte
executada com requintes de crueldade e frieza.
Quantos negros no pelourinho não repetiram a
mesma cena dantesca que foi a crucificação do Nazareno?
Os algozes do Cristo eram as hostes romanas
com sua potência fenomenal. Os algozes dos negros eram os seus senhores com sua
ferocidade incondicional.
Uns e outros conspiravam para o bem da sua
gente. Um, defendia a humanidade. Outros, defendiam a sua humanidade.
O Cristo ficou na cruz para muitos. Os
negros, ainda hoje, permancem, a maioria, condenados a carregarem a sua cruz em
vida.
Chamavam a Jesus de marginal. Chamavam os
negros de animal.
A escravidão fugiu dos nossos olhos como lei
em 1888. Seus rastros de injustiça podem ser vistos até hoje no quadro de
desigualdade que se alimenta a nossa socidade.
Prejuízos, tivemos demais. Uma mácula sem
volta. É hora, porém, de desarmar espíritos na construção da jornada nova. A
esperança novamente se faz nos corações dos brasileiros, temporariamente
roubada pelos incidentes recentes na nossa economia e política, mas tudo isso
há de passar.
Aos brasileiros, peço perdão. Perdão por não
ter conseguido antes a paralisia do regime de fel que se fez presente neste
nosso imenso Brasil. Como se diz que tudo tem a sua hora, pode ser que o
momento aprazado para extinguir a servidão negra tenha sido aquele mesmo pelo
conjunto de forças da época.
Cristo se fez livre do madeiro depois da
morte. Nós haveremos de segui-Lo em espírito e verdade.
Façamos já a nossa parte para que santa seja
sempre a nossa vida.
Joaquim Nabuco
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