7.4.15

Regime de Amor


Onde estariam os meus pensamentos se não fossem para declarar a minha total servidão ao Senhor Jesus?
A minha vida toda na Terra foi dedicada a uma causa que conheci em tenra idade, a abolição da escravatura negra. Que bom para mim ter uma causa para lutar. Ao tentar abolir o regime de servidão estava, sem o saber, servindo a uma causa maior: a causa do Cristo.
O que o Cristo nos ensina a não ser o regime do amor? O amor é que deve presidir os nossos pensamentos e as nossas ações. Deve ser o nosso primeiro e único impulso, a razão de ser da própria vida.
Ao lutar pela libertação definitiva dos negros brasileiros estava lutando pela causa do amor, a qual não permite ver nenhuma pessoa superior a outra, diferente em seus direitos.
Quando Jesus ensinou o amor na Terra tinha plena consciência da enorme distância que separava a sua pregação da realidade dos homens. Tinha tanta convicção de que não compreenderíamos a sua palavra na sua inteireza que prometeu enviar um Consolador e nos garantir que estaria ao nosso lado até o final dos dias.
Sabia Jesus, portanto, da limitação humana diante daquele conceito grandioso que era portador, pela letra e pelo seu próprio espírito. A riqueza do amor não é compreendida até hoje haja vista que muitos preferem se empanturrar de bens materiais em detrimento dos verdadeiros bens que são os de origem espiritual.
Pois bem, a escravidão era, em última análise, um ato de antiamor, ou melhor, de desamor.
Como conciliar a palavra libertadora do Cristo com o servilismo do negro?
Era tudo muito incompatível e, por esta razão, refutei em me aproximar de Jesus representado pela Igreja durante muito tempo. A reação que deveria se ver no seio da Casa do Cristo era inverso. Quando não se ouvia a crítica perante os movimentos emancipacionistas, havia o acobertamento das traições viris que se tem notícia dos abusos contra os negros.
Poucos eram os padres que se vestiam da hombridade de defender a liberdade de todos. Tinham medo de perder o apoio das suas paróquias e ficar reduzida a meia dúzia de crentes pingados. Este temor pelo vazio de suas sacristias fez com que a maioria deles renegasse a abolição da escravatura.
Hoje entendo o contexto em que eles estavam inseridos, o que não quer dizer que aceito, ou que eles estavam certos. O fato é que Jesus teria tido, como teve na sua época, outra postura diante dos poderosos de então.
É certo que a escravidão se faz hoje de outro modo, mas a maneira cruel, desrespeitosa, sanguinolenta, como eram tratados os nossos irmãos de cor negra nos idos dos séculos 17 a 19 eram terríveis à condição humana.
Posso vê-los, sem dúvida alguma, a copiar o sofrimento do Cristo nos seus últimos momentos entre nós.
Muitos foram julgados arbitrariamente. Foram surrados em lugar público. Suas vestes rasgadas. Seu destino traçado. Sua morte executada com requintes de crueldade e frieza.
Quantos negros no pelourinho não repetiram a mesma cena dantesca que foi a crucificação do Nazareno?
Os algozes do Cristo eram as hostes romanas com sua potência fenomenal. Os algozes dos negros eram os seus senhores com sua ferocidade incondicional.
Uns e outros conspiravam para o bem da sua gente. Um, defendia a humanidade. Outros, defendiam a sua humanidade.
O Cristo ficou na cruz para muitos. Os negros, ainda hoje, permancem, a maioria, condenados a carregarem a sua cruz em vida.
Chamavam a Jesus de marginal. Chamavam os negros de animal.
A escravidão fugiu dos nossos olhos como lei em 1888. Seus rastros de injustiça podem ser vistos até hoje no quadro de desigualdade que se alimenta a nossa socidade.
Prejuízos, tivemos demais. Uma mácula sem volta. É hora, porém, de desarmar espíritos na construção da jornada nova. A esperança novamente se faz nos corações dos brasileiros, temporariamente roubada pelos incidentes recentes na nossa economia e política, mas tudo isso há de passar.
Aos brasileiros, peço perdão. Perdão por não ter conseguido antes a paralisia do regime de fel que se fez presente neste nosso imenso Brasil. Como se diz que tudo tem a sua hora, pode ser que o momento aprazado para extinguir a servidão negra tenha sido aquele mesmo pelo conjunto de forças da época.
Cristo se fez livre do madeiro depois da morte. Nós haveremos de segui-Lo em espírito e verdade.
Façamos já a nossa parte para que santa seja sempre a nossa vida.
Joaquim Nabuco

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