Analisemos o
espiritismo que estamos praticando
Partindo do princípio que o
Espiritismo é uma proposta que sugere sempre a lógica e a coerência, obviamente
sem abrir mão da racionalidade, que tal a gente analisar o espiritismo que
estamos praticando, dentro dessa racionalidade que se faz necessária?
Sei que
algumas pessoas, não muito habituadas a raciocinar, porque vivem acomodadas no
“deixa como está, pra ver como é que fica”, vão dizer que é mais uma polêmica do
Alamar e até que não deve ser levada a sério, posto que nada que convide o
espírita a racionar deve ser levado a sério.
Já que nem todo mundo está
inserido nesse universo comodista, ainda bem, e até, pelo contrário, em sintonia
com Allan Kardec, porque prefere fazer como ele fazia, que era questionar
sempre, pensar sempre e raciocinar sempre, é para esse que eu quero
falar.
Você, que é espírita, freqüentador, trabalhador ou dirigente de
instituição espírita, já parou para pensar no jeito como o Espiritismo vem sendo
praticado?
Calma! Eu não vou ficar aqui dizendo que está tudo errado, porque
senão vai ficar muito presunçoso, já que seria o Alamar se achando o conhecedor
do Espiritismo e todas as outras pessoas erradas. Depois dos argumentos que vou
colocar, é você mesmo quem vai tirar a sua conclusão acerca da forma como muita
gente vem praticando o Espiritismo.
Há uma tendência natural da pessoa que
freqüenta, ou mesmo que trabalha e até seja dirigente de um centro espírita
achar que aquele modelo que é feito naquela casa, que existe muitas vezes há
mais de meio século, é correto e que é daquele jeito que o espiritismo deve ser
praticado, porque ele é assim mesmo. Afinal de contas, quando ele nasceu aquela
casa já existia e “quem sou eu, para dizer como a casa deve ou não deve
funcionar”.
É natural isto e nós temos que respeitar.
Afinal de contas, a
casa foi fundada por seu Osvaldo Ferreira de Albuquerque, ainda na década de
trinta, um dos maiores espíritas daqui da cidade, um homem honesto, bondoso, que
passou a sua vida inteira dedicado à caridade, tendo passado uma vida inteira no
trabalho dedicado.
Seu Edvaldo era um homem respeitado por todos, até pelo
padre, pelo juiz e por todas as autoridades da cidade.
De fato, é constatado
que seu Osvaldo era de fato um homem bom e ninguém exagera quando fala dos seus
qualificativos morais e humanos.
O estatuto da casa foi elaborado sob a
orientação do seu Osvaldo, vários dirigentes e trabalhadores da casa de hoje
conviveram com seu Osvaldo, quando ele estava encarnado, e lembra bem dos bons
exemplos que ele sempre deu, sobretudo com a tarefa do quilo que realizava todos
os sábados, distribuindo farnéis para os pobres dos bairros mais carentes da
cidade.
Todo mundo aprendeu o Espiritismo com seu Osvaldo, conforme o jeito
que ele fazia e a diretoria de hoje segue a orientação de seu Osvaldo, que hoje
é um dos mentores da casa.
Assim é que funciona a maioria dos centros
espíritas.
É daí que questionamos:
O fato de um homem ser bom, ser
caridoso, viver uma vida distribuindo comida para pobre e até ser fundador de um
centro espírita, implica necessariamente que conheça o Espiritismo?
Veja bem.
Eu disse que iria escrever uma matéria para pessoas que raciocinam e é sempre
bom raciocinar antes de dar a resposta.
Analisemos bem como a coisa acontece
na realidade:
Seu Osvaldo de fato passou mais de cinqüenta anos dedicado ao
centro espírita, bondoso e caridoso, mas fazendo praticamente a mesma rotina
durante anos e anos:
Três reuniões doutrinárias durante a semana; às
segundas, quartas e sextas, que eram realizadas num salão que tinha numa parede
lateral a placa “O Silêncio é uma prece”, e na do fundo um escrito em tinta
preta: “Fora da Caridade não há salvação”. Na frente tinha uma mesa forrada com
toalha branca, com três livros em cima dela: “O Evangelho, segundo o
Espiritismo”, “O Pão Nosso” e “Conduta Espírita”. Em alguns momentos colocavam
outro livro do Emmanuel ou do André Luiz.
Seguiam a seguinte rotina, em todas
essas noites:
1 – Prece de abertura da noite de hoje.
2 – Leitura de um
trecho de um dos livros de cima da mesa.
3 – Alguns avisos da casa.
4 –
Palestra da noite de hoje.
5 – Passe
6 – Água magnetiza.
7 – Prece.
Vamos agradecer a Jesus pela noite de hoje.
Nenhum freqüentador pergunta
nada, ninguém questiona nada e ainda tem que falar baixo.
Pronto. Todo mundo
volta para casa, pra retornar semana que vem para a mesma coisa.
Na
quinta-feira é dia da mediúnica. Começa as oito da noite e tem que terminar,
impreterivelmente, às nove, em nome da disciplina da casa.
Como é feita a
mediúnica?
Os primeiros quarenta e cinco a cinqüenta e cinco minutos são
dedicados a atender espíritos sofredores, revoltados, perversos, perseguidores e
inferiores que deverão ser doutrinados pelos trabalhadores da casa. No pouco
tempo que resta, antes que o relógio marque 21:00 horas EM PONTO, a casa se
disponibiliza aos espíritos amigos, que se resumem apenas a uma saudação, já que
não dispõem de tempo suficiente para diálogos, conversas, orientações e trocas
de idéias com os trabalhadores da casa.
Pronto: Assim foi o espiritismo
praticado por seu Osvaldo, durante quase cinqüenta anos.
Em sua casa ele
tinha a coleção das Obras Básicas, tradução do “Guillon Ribeiro”, da FEB, que
ele havia comprado em 1957.
Leu “O Livro dos Espíritos”, há muitos anos, e
achou que por já ter lido era o suficiente para dizer que entendia tudo de
Espiritismo. No decorrer destes anos, algumas vezes voltou a dar uma lida em
alguns capítulos ou questões do livro. Já leu também “O Evangelho, segundo o
Espiritismo”, mas esse livro era mais utilizado apenas para ser aberto “ao
acaso” nas doutrinárias da semana, a fim da formal leitura do “Santo Evangelho”,
para atender bem ao aspecto religioso, apenas um trecho, geralmente aberto no
meio.
Ninguém sabe ao certo se ele chegou a ler, a ponto de entender, “O
Livro dos Médiuns”, já que alguns procedimentos adotados na casa eram
absolutamente contraditórios ao que Kardec ensina através daquele livro. Mas era
um homem bom e caridoso.
Seu Osvaldo nunca se dispôs a fazer estudo comparado
entre as várias traduções das obras básicas para o Português, primeiro porque
ele nunca ouviu falar que isto teria alguma importância, segundo porque se
alguém propusesse isto a ele, ouviria que é perda de tempo e que todas as
traduções são iguais. A “Revista Espírita” é algo que ele ouviu falar e até
soube que era o compêndio de uma TAL revista que Kardec escrevia, mas sem dar
maior importância a essa obra e sem jamais passar pela sua cabeça que ela é
parte fundamental para o indispensável conhecimento de como o próprio Allan
Kardec fazia o Espiritismo.
Pronto. Centenas e milhares de pessoas daquela
cidade, que viraram espíritas, trabalhadores e dirigentes, aprenderam o
Espiritismo conforme seu Osvaldo Ferreira de Albuquerque e assim foi passando de
geração em geração. Nos dias de hoje o modelo daquele antigo centro, assim como
de alguns outros que foram criados nos novos bairros que surgiram na cidade, que
cresceu muito, durante as décadas, é conforme seu Osvaldo.
Se seu Osvaldo
tinha certa admiração por Herculano Pires, por exemplo, provavelmente a obra
básica a qual ele lia era tradução do Herculano e os seus seguidores passaram a
também ter uma queda pelo velho pai da minha amiga Heloísa.
Mas... pelos
valores ensinados pelo Herculano?
Não, porque seu Osvaldo gostava
dele.
Assim é formada a maior parte dos espíritas
Mas não dava para essas
pessoas freqüentarem, pelo menos de vez em quando, outros centros
espíritas?
Não. A orientação da casa é que espírita deve freqüentar apenas UM
centro espírita, para evitar problemas de obsessão e desequilíbrio. A maioria
teve a sua formação espírita ouvindo isto e, por via das dúvidas, é melhor
obedecer esta orientação. Vá que um problema qualquer, por mais simples que
seja, surja na sua vida, exatamente no dia seguinte à sua ida ao outro centro:
um acidentezinho em casa, o feijão que queimou, uma goteira que surge na casa,
uma gripezinha, o pneu do carro que furou ou qualquer coisinha... Vão achar que
aquilo aconteceu porque você foi a outro centro.
Provavelmente você ouvirá no
seu centro que o outro centro não pratica o espiritismo correto e que não é
recomendável.
Mas será que não pratica mesmo?
É que o outro centro talvez
seja muito antigo também, fundado pela Dona Conceição Braga, também uma espírita
famosa da cidade, mas que não pensava exatamente como seu Osvaldo; mas era
também uma mulher boa. Ela interpretava a doutrina conforme a sua ótica, assim
como seu Osvaldo interpretava conforme a dele, surgindo daí um conflito de
idéias, porque os pontos de vistas não batiam em vários aspectos.
Daí muitas
coisas aconteciam.
Se o centro “da Dona Conceição” realizasse algum evento, o
centro “do Seu Osvaldo” não apoiava. Alguns palestrantes do centro da Dona
Conceição não podem fazer palestra lá no Seu Osvaldo, porque acham que eles são
antidoutrinários ou polêmicos.
- Mas por quê Fulano é antidoutrinário,
Celso?
- Saber eu não sei, foi Dona Tereza que disse.
Prevalecem os
julgamentos com base no disse-me-disse.
Não há base nenhuma para qualificar
alguém como antidoutrinário, mas qualificam, pois que não há compromisso com
responsabilidade e seriedade.
Os espíritas passam a conceber a idéia de que
toda pessoa que faz parte da diretoria de um centro necessariamente é grande
conhecedora da doutrina e terminam vivendo esta ilusão. Por outro lado, muitos
ocupantes dessas diretorias se comportam como se fossem mesmo conhecedores da
doutrina, levantam o queixo, se enchem de autoridade e assim se
conduzem.
Quando se fala em diretor de uma federativa, então, aí que essa
concepção equivocada se acentua mesmo e passa a ser um problema de cegos se
deixarem guiar por cegos.
O que advém daí?
Espiritismos feitos à moda da
casa em todas as regiões do País e do exterior também, posto que nos diversos
países, à exceção de Portugal, as casas espíritas são fundadas por brasileiros
que muitas vezes freqüentavam um centro, tipo do Seu Osvaldo aqui, e para lá vão
implantar um espiritismo exatamente conforme o modelo “Seu Osvaldo”. Daí vão
praticar tudo o que era praticado ali: Mesa tem que ser forrada com toalha
BRANCA, proibição de expositores, proibição de livros, mediúnica de apenas uma
hora prioritariamente para atender espíritos sofredores, plaquinha “silêncio é
uma prece” na parede, em cima da mesa o Evangelho, o Pão Nosso e Conduta
Espírita, todo mundo tendo que se achar um verme, que não vale nada, que foi
bandido em encarnação passada, que tá melhor do que merece, que não é nada mais
do que um grão de areia, que temos que sofrer para evoluir, que conhecer Allan
Kardec não é relevante porque o mais relevante é estudar André Luiz, se Kardec
ensinar de uma forma e um espírito outro ensinar de outra, prevalece o que
ensina este espírito e não Allan Kardec, etc. etc. etc.
Espíritas odiando
obras, seus autores e seus leitores, só porque essas obras apresentam um ou
outro tópico que não atendem exatamente a forma como eles pensam sobre um
determinado assunto, e, por conta disto, obras proibidas, autores proibidos e
ampla campanha de difamação e até calúnias contra eles.
Daí surge também a
obrigação da roupa branca para participar das mediúnicas, as proibições de
aplausos e elogios, proibições de músicas, não se pode falar em dinheiro na casa
espírita, entendimento de que tudo tem que ser dado de graça, confusão de
Caridade com esmola, sopa para pobre como expressão da caridade e apologia a uma
vida masoquista.
Quais as conseqüências disto?
Espíritas não se
entendendo, casas espíritas distanciadas umas das outras, médiuns famosos se
odiando uns aos outros, expositor famoso dizendo aos organizadores de evento que
só aceita o convite para fazer palestra se outro expositor também famoso não for
convidado, todo mundo fingindo que ama todo mundo, fingindo humildade, fingindo
compreensão e tolerância, espíritas que odeiam espíritas, porém fazendo
palestras e seminários falando em “amor”, “tolerância”, “perdão”, “compreensão”,
“indulgência”, “amai ao vosso inimigo”, “Paz”... subestimando a inteligência dos
outros, diretorias de casas espíritas tomando decisões imorais mas tendo o
cuidado que ninguém saiba que ela tomou aquela decisão, já que o subconsciente
denuncia que é imoral e não fica bem o povo saber que ali se pratica
imoralidades.
Ao mesmo tempo se vê uma rotatividade enorme de público nas
casas espíritas, já que, se este ano chegaram cem frequentadores novos para a
casa, ao mesmo tempo saíram cem que não agüentaram mais continuar ali e daqui
pro ano que vem certamente deverão chegar mais outros cem e saírem mais cem... e
essa rotina vai se repetindo ano a ano, mas fingimos que não vemos.
Todo
mundo fingindo que não está acontecendo nada, apenas rotulando como polêmico
quem tem coragem de falar sobre este assunto e aí agimos com irresponsável
omissão, deixando tudo como está, sem coragem de discutir, não prevendo o que
isto pode significar para o futuro do Espiritismo.
Existem centros espíritas
realizando trabalhos maravilhosos? Existem sim, não temos dúvidas disto,
todavia, infelizmente, não podemos dizer que é a maioria.
Fica, então, esta
primeira parte da matéria para reflexão.
ESTA MATÉRIA CONTINUARÁ NA PRÓXIMA
MENSAGEM.
Abração.
Alamar Régis Carvalho
Analista de Sistemas,
Escritor e Antares DINASTIA