26.1.25

Ainda Estou Aqui

 

 O psiquiatra e psicoterapeuta suíço, Carl Gustav Jung, criador da abordagem da psicologia analítica, afirmou certa vez que “As perdas são sinais que a vida nos dá de que somos seres de passagem.” Perdas materiais – que, no fundo, não são perdas – e perdas humanas.

Tais perdas ou ausências de convívio permitem que possamos refletir sobre a transitoriedade da nossa existência, colocarmos os pés no chão e pensarmos o que significa este período de tempo que nos é concedido para viver esta experiência de aprendizagem.

Sim, efetivamente, somos seres de passagem.

Passa a infância, a adolescência, a maturidade, a velhice.

Passa a primeira namorada, outras paixões e até a companhia atual.

Passa o estágio, o primeiro emprego, os demais e até a aposentadoria.

Passa o primeiro filho, o segundo, os netos.

Passa a pressa de fazer mais e mais até serenar a cadência das coisas.

Passa, passa, passa...

Ter consciência desta noção de passagem é, ao mesmo tempo, cruel e sábia. Cruel porque tudo haverá de nos escapar das mãos por mais que desejemos retê-las para o infinito. Sábia porque o grande balé da vida nos impulsiona para frente e mais além.

É neste contexto de passagem que recordo meus avós, meu tio Valdinho, entre outros, e mais recentemente meu cunhado Artur Melquiades.

Ele era quatro dias mais velho do que eu. Ambos dos idos 1965. Apenas quatro dias. Um dia, ele percebeu que estava emagrecendo mais que o planejado. Depois de exames, o doutor Artur chegou ao diagnóstico que estava com um câncer no fígado. Na verdade, um melanoma cancerígeno, aquela pele que reveste o fígado. Raro.

A equipe de pares da medicina forneceu o melhor tratamento possível. As chances de vencer ao câncer eram diminutas, mas possível. E ele se agarrou nestas estatísticas.

Se já era um homem humanista, simples (apesar de adorar os produtos da Adidas) e atencioso com os mais despossuídos, Artur confessava-me nestes últimos tempos que estava diferente: 

Mudei da água para o vinho em relação a minha fé e espiritualidade. Eu nunca tive uma base espiritual e de religião. Eu sinto falta de alguma coisa. Não sei se Deus está reservando alguma coisa para mim. É um momento difícil. Não tenho forças para trocar uma roupa, para beber uma água ou me alimentar. Eu me desprovi de todo sentimento ruim que tinha. Eu desejava ver uma luz, qualquer que fosse. O que resta agora é esperar.”

Em 6 de novembro de 2024, doutor Artur retornou à dimensão do espírito.

Passei os últimos dias com ele e a família em Porto Velho, onde residia e trabalhava. Aliás, ele trabalhava demais. Sempre foi assim como professor, biomédico e médico. Pouco tempo dava para ele mesmo. Lutou bravamente para ganhar a vida até poder respirar mais folgadamente na conquista financeira. Não usufruiu do que poderia usufruir.

Sinto a sua falta, apesar de termos nos mantido separados por causa da distância de Recife para a capital de Rondônia. Parece, no entanto, que ele agora está mais perto que antes.

Mais perto pelas lembranças.

Mais perto pelos momentos na sua reta final no leito de uma cama.

Mais perto por causa de seu neto que é a sua cópia, a meu ver, “esculpida em carrara”.

Mais perto porque a dimensão espiritual nos aproxima devido a minha sensibilidade psíquica.

Neste ponto, a ciência espírita é espetacularmente consoladora. A sobrevivência e imortalidade do ser não é mera ficção ou vontade de continuidade. É algo concreto para outro nível dos sentidos. Vira e mexe, estamos, de alguma maneira, em sintonia. Que bom!

O desafio para quem retorna é prosseguir. Preso a um passado ainda bem vivo, mas convidado a reaprender os passos de espírito imortal que é.

Todos nós já fizemos isto e, em algum lugar no futuro, seremos impelidos a fazê-lo novamente.

Claro que ficarão a saudade e o desejo de outra vez estar pertinho e dividir o cotidiano.

Como seres de passagem, o convite da vida permanente é olharmos para frente e nos inserirmos em outros planos de desenvolvimento espiritual – aqui e lá.

Enquanto, porém, esta memória não toma um lugar mais tranquilo, pois insiste em bater a porta da alma quando menos se espera, vivamos cada momento que tivemos com quem já voltou e lancemos para eles o nosso agradecimento e o nosso melhor sentimento de amorosidade.

Choremos também o quanto necessário. As lágrimas são gotas de amor que transbordam pelos olhos.

E doutor Artur, como todos os nossos queridos que já viajaram para a Terra dos Imortais, agora e mais tarde, haverão de nos dizer baixinho na nossa mente, mas sobretudo para nosso coração:

- Ainda estou aqui!

Carlos Pereira – Blog de Carlos Pereira

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