A
Nação brasileira é feita de restos do passado. Ela foi construída, como todas
as demais nações, como produto da força de seu povo ao longo do tempo. Neste
contexto, convém afirmar, o Brasil possui na sua matriz racial três grandes
troncos: a branca, a negra e a índia. Das três, aquela que mais sofreu para se
manter livre no exercício de seus direitos foi, sem dúvida alguma, a raça
negra.
Quando
os portugueses perceberam no início da colonização que não poderiam contar com
o apoio do braço indígena para a produção correu logo para se juntar a outras
tantas nações que procuravam na escravização negra a fonte para a obtenção do
trabalho e de geração de suas riquezas.
Este
comportamento atroz, destituído de qualquer humanidade, durou cerca de três séculos
no nosso País. Os negros eram deportados da África em direção ao Brasil
com a promessa de ganhos financeiros, quando não eram usurpados já na sua
origem. Aqui chegando, percebiam a cilada que haviam catapultado ou que seu
destino já estava traçado, ou seja, trabalhar exaustivamente até a última gota
de seu suor e de seu sangue.
Foram
deportados para cá milhares de negros. Negros que sustentaram todo o nosso
progresso econômico de então. Fomos os algozes de toda uma raça e achávamos,
pasmem senhores, que tudo aquilo era muito certo. Os negros existiam, pensavam
muitos, para servir aos brancos, e evocando até a suprema divindade
colocavam-no como uma raça menor, pois nem alma detiam.
Foi
assim que forjamos o progresso desse País durante muito tempo, sob o jugo do
chicote feroz e da arbitrariedade sem medida.
Colocamos
o negro diante de uma situação de ridicularização completa, de subtração total
de sua dignidade, de menosprezo a sua condição humana.
Dos
barões do café aos senhores de engenho, todos usurparam a liberdade de uma raça
inteira como supremacia de outra.
Aliás,
até hoje, muitos ainda pensam desta maneira. Só que avançaram no campo da
discriminação e suas arrogâncias são tais que junto ao negro somaram todos
aqueles despossuídos do capital, isto é, os pobres de toda sorte.
Muita
luta, aqui e no astral, foram travadas para que a Terra do Cruzeiro não
manchasse seu destino com letras de terror e crueldade que não pudesse mais se
soerguer e comandar uma reação de direitos civis e sociais como exemplo para o
mundo.
Os
negros que não entendiam a loucura reinante, que viam a separação autoritária
de suas famílias, que viam seus amores sendo usados pelos senhores na
alimentação de sua ganância sexual, ou em outros distúrbios de comportamento,
faziam de um tudo para acabar com a vida material destes e inflamavam o ódio em
todas as suas formas de manifestação.
Muitos
espíritos chegaram para reencarnar como negros para acalmar, um pouco que seja,
esta febre de ressentimento e dor que parecia não ter mais fim. Eram os sábios
de sua tribo ou de seu clã e ganhavam o respeito geral pela sua altivez e
sabedoria, sem se declinarem se mostravam gigantes. Foram muitos deles
denominados na época e até hoje como Pais-Velhos. Representavam, em muitos
casos, o símbolo da própria raça.
Não
podemos nos esquecer do exemplo materno. As matronas que davam o seu próprio
seio para soerguer o branco raquítico.
O
que ocorreu, ao longo do tempo, é que a mistura racial foi inevitável. O que
estava em jogo, meus senhores, não era a preservação de uma raça, mas o
aparecimento de uma nova era, a era da fraternidade. Este era o desafio maior a
ser vencido.
Com
o advento da libertação definitiva dos escravos em 1888 em ato assinado pela
Princesa Isabel, o destino do País estava assegurado, mas haveria que
reconstruir todo o legado destes três séculos de dominação e manipulação de uma
classe a outra.
Este
desafio de construir uma Nação fraterna vivemo-la até hoje, pois as sequelas daquele tempo
ainda encontram-se presentes.
O
que ocorreu, meus senhores, é que nos desviamos deliberadamente do que nos foi
traçado inicialmente e perdemos bom tempo na reorganização de nossa agenda
espiritual para que pudéssemos continuar no progresso das metas que esperavam
os espíritos altaneiros para o nosso Brasil.
No
campo espiritual, tivemos atrasos. Mesmo no momento que deveria desabrochar
toda a carga de espiritualidade entre as culturas espirituais negras e brancas,
em todas as suas matizes, tivemos, meus senhores, foi o desgraçamento de uma
oportunidade ímpar de progresso espiritual. Foi assim que surgiu, não da noite
para o dia, mas que poderia ter sido bem diferente, as crenças umbandistas no
nosso País.
Elas
viriam ocupar um espaço que estava perdido, sem lugar para se manifestar. Foi
então que um grupo de espíritos de alto quilate espiritual se colocou, sob a
égide do Cristo Jesus, a por pedra sobre pedra no edifício da nova realidade
espiritual entre os homens.
A
Umbanda segue os mesmos passos do Espiritismo, mas com o atenuante de não criar
barreiras, qualquer que seja a forma, de progresso espiritual na direção do
bem.
Neste
contexto, senhores, venho aqui dizer aqui da minha alegria em ver que diversos
ambientes espíritas, finalmente, começam a descerrar as cortinas do preconceito
e colocar em seu lugar as relações abertas e fraternas com todas as culturas
espirituais convergentes aos ditames do Evangelho do Cristo.
Neste
momento de comemoração daquilo que se convencionou denominar de “Dia da
Consciência Negra”, aporto o meu desejo sincero que tenhamos um avanço cada vez
maior e significativo para que possamos ver mais rapidamente os objetivos de
união de toda uma gente.
A
cultura espiritual negra não é diferente de nenhuma outra, apenas guarda em si
elementos de sua etnia que se somam aos que desejam efetivamente o progresso
espiritual mais amplo.
Estou
aqui como homem que defendeu, como pode, os membros de uma raça que, naquela
época, se mostrava como uma distorção do direito social, mas que representava,
na realidade, a distorção da conduta humana na terra.
Neste
tempo todo, conheci os meandros da espiritualidade em que eles, meus irmãos em
pele negra, participam como comunidade cósmica. Há todo um emaranhado de causas
e ações que ainda teremos a oportunidade, se Deus quiser, de revelar a tantos
quantos desejem saber.
O
progresso segue, mas as lutas continuam.
O
progresso nos diz que devemos manter a guarda contra as injustiças sociais.
O
progresso nos ensina que se não nos mantivermos em alerta crescerá bem mais o
quadro de pobreza e miséria social, sem lados quaisquer de raça. No fundo,
somos todos humanos, integrantes de uma só raça, de um só povo de Deus.
Ao
querido Zumbi, hoje reencarnado, o nosso agradecimento pela força e luta.
Aos
inconformados com a condição humana servil, o nosso apoio para que não baixem a
cabeça jamais.
Aos
“tementes” em Deus que possamos continuar a lutar pela igualdade de todos na
criação de um mundo melhor que seja, sobretudo, mais humano.
Joaquim
Nabuco – Blog Reflexões de um imortal
Nenhum comentário:
Postar um comentário