PENSAMENTOS
MÓRBIDOS
Quando eu me encontrava
mais encarnado do que me encontro agora, atendendo a diversos pacientes em meu
consultório de médico psiquiatra – que muito pouco sabia, e ainda muito pouco
sabe de Psiquiatria –, não raro, os que eram considerados mais normais, ou seja,
os que não careciam de internação imediata, faziam-me certas confissões de
estarrecer.
Falo em estarrecimento,
mas, em verdade, eu nunca me alarmei muito com a condição da criatura humana,
que, em termos evolutivos, não se coloca assim muito à frente dos animais,
não.
- Doutor – confessavam-me
muitos deles –, eu me imagino esganando a fulano com as minhas próprias mãos –
sinto vontade de enforcá-lo, pois é o que ele merece... E, em mim, tal
pensamento é recorrente – de vez em quando, eu me pego descarregando toda a
minha ira sobre a garganta dele...
- Em meus devaneios –
diziam-me outros –, sonho em descarregar a minha arma contra o peito daquele
imbecil, que não perdoo – ele me humilhou, como se eu fosse qualquer...
Constrangeu toda a minha família, e a minha honra tinha que ser lavada com
sangue...
- Já pensei em contratar
alguém para dar cabo daquela mulher, que me tomou o marido – falou-me uma
senhora. – Quase todos os dias eu penso nisto... Tenho ódio dela – um ódio
terrível!...
E ao longo de décadas,
ouvindo confissões semelhantes, vocês podem imaginar o que, por vezes,
registrava, tanto de homens quanto de mulheres:
- Doutor, eu sonho que
estou estuprando... É uma coisa terrível! Sinto prazer
nisto!...
- À noite, os meus sonhos
são de pura devassidão... Tenho vergonha de contar ao senhor tudo o que faço,
quando estou sonhando... Sexo desregrado com menores de idade – eu não poupo nem
crianças!...
Muitos deles choravam e
falavam em suicídio, e outros já estavam entregues ao
alcoolismo.
A situação era
difícil.
Certa vez, um pedófilo, ao
me procurar, disse que estava com a arma engatilhada em casa, aonde chegaria e
atiraria contra a própria cabeça – eu seria a sua última
esperança.
Conversei, conversei,
conversei... Receitei medicamentos... Falei em Deus, em imortalidade, na
consequência do suicídio para o espírito... Sugeri internação por uns dias...
Ele agradeceu, foi embora e, depois de oito meses, acabou por se matar. Fiquei
sabendo através do jornal da cidade... Ele não voltara a se consultar
comigo.
E os que, mentalmente,
planejavam golpes financeiros nos familiares, em questões de
herança?!
E os que, aparentando ser
sociáveis, mal conseguiam conterem-se em seus ímpetos de agressividade
reprimida?!
E os egoístas ao extremo –
o egoísmo é uma das piores doenças que conheço! –, que se escondiam para que não
fossem molestados pelos mendigos nas ruas?! – Doutor, eu chego a mudar de
calçada – tenho asco de pedinte! Uma moeda para mim é muita coisa – eu não acho
certo ajudar a ninguém! Essas Instituições assistenciais alimentam a
malandragem...
Não creiam, meus amigos,
que a coisa tenha mudado muito, não! Tristemente, a morbidez de nossos
pensamentos fala de nossa grande miséria espiritual – do nosso primitivismo
moral!
Só mesmo apelando para a
Misericórdia do Senhor, pedindo forças para que, pelo menos, a tentação nunca
nos saia da esfera dos pensamentos, pois, caso contrário... Meu Deus, que
loucura!
E tem gente que ainda se
acha completamente sano! Tais pensamentos enfermiços, contudo, são capazes de
nos assaltarem até mesmo em meio a uma oração...
Um comerciante, meu amigo e
paciente, me dizia:
- Doutor, para eu terminar
um Pai Nosso sem pensar em coisas ruins é o maior sacrifício... Começo a rezar e
o meu pensamento foge por tantos caminhos... Eu fico com vergonha da prece! Como
continuar orando assim?!...
- Meu caro – eu respondia
–, o lírio nasce no charco... Não desista! Os sãos não precisam de médico! Todos
nós somos doentes da cabeça, uns mais, outros menos... Se você não orar, a coisa
piora!...
INÁCIO
FERREIRA
Uberaba – MG, 13 de julho
de 2015.
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