Por que dizer não à medicalização da
Educação
Pediatras americanos afirmam que a solução para o baixo
rendimento escolar e a indisciplina é medicar todas as crianças. Entenda o que
está por trás dessa medida
Marília de Lucca (novaescola@atleitor.com.br)
(apuração) Editado por Elisa Meirelles
Um médico americano foi notícia
recentemente ao propor que todas as crianças com problemas de comportamento e
baixo rendimento escolar tomassem remédios indicados para o tratamento do
Transtorno do Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade (TDAH), mesmo que sem
terem sido diagnosticadas com o transtorno. Por mais absurda que a teoria seja,
já está se formando uma corrente de profissionais que acreditam nela e o tema
tem ganho espaço dentro e fora dos Estados Unidos.
Quem apoia a medida
argumenta que o esforço e o investimento na Educação das crianças são
ineficientes, muito trabalhosos ou excessivamente custosos. A saída mais prática
e rápida, então, é usar medicamentos que, alterando a atividade neuroquímica dos
estudantes, controlem suas atitudes e domem seus impulsos.
· O
que é TDAH
· Entrevista com Maria Cristina Mantovanini
·
90 reportagens sobre indisciplina, bullying e violência escolar
Por trás
dessa atitude descabida está a discussão sobre o que são problemas de
comportamento - que podem e devem ser debatidos dentro da escola - e o que são
questões médicas, que demandam acompanhamento profissional e, em alguns casos, o
uso de medicamentos.
Nem toda criança agitada ou que não se concentra em
classe é hiperativa ou tem déficit de atenção. Muito pelo contrário. Na maioria
dos casos, trata-se de características comuns a essa etapa da vida. O
entusiasmo, a vontade de se fazer presente no mundo, a energia que precisa ser
aplicada em experimentações e brincadeiras fazem parte da aquisição de
conhecimento. É papel dos pais e das instituições de ensino prover às crianças
momentos apropriados para correr, gritar, conversar, fazer bagunça. Elas
precisam de situações em que descansem a mente e cansem o corpo para que, quando
chegar a hora de ter concentração para aprender, isso não seja maçante e
sofrível.
Quando se nota que grande parte de uma turma está inquieta,
improdutiva ou indisciplinada, mais do que ir atrás de remédios, é hora de
repensar a maneira como as aulas estão sendo organizadas. Uma sugestão para
entender as dificuldades e necessidades dos alunos é abrir um espaço de diálogo.
Com isso, sugestões interessantes sobre a disposição do horário das atividades,
os assuntos de interesse da maioria da classe e as maneiras de abordá-los podem
ser colocadas em debate. A abertura faz com que as crianças entendam que têm voz
e de que são diretamente responsáveis por seu processo de aprendizagem.
É
importante, também, que a escola propicie reuniões entre os docentes e com
especialistas em psicopedagogia para esclarecer dúvidas dos professores com
relação à indisciplina. Atitudes como essa ajudam a fortalecer a relação
aluno-professor por meio da aproximação e do respeito.
Isso não quer
dizer, é claro, que não existam crianças que precisam de apoio médico. Com uma
análise cuidadosa da turma - aliada a conversas com as famílias -, é possível
identificar quem tem mais dificuldade de concentração e avaliar se é uma questão
de disciplina ou se pode ser algo a mais. Geralmente, as crianças que apresentam
TDAH não são hiperativas apenas durante as aulas, mas em outros ambientes e
durante o sono. O estímulo do cérebro nunca para. Assim, ela dorme mal, tem
pesadelos, cai da cama. Se houver a desconfiança, é hora de procurar ajuda
profissional.
Os riscos de medicar indiscriminadamente as crianças
Não se
pode, em hipótese alguma, dar remédio a alguém sem um diagnóstico claro. O TDAH
só pode ser atestado por um médico, após avaliar a criança e conversar com
professores e familiares. A análise deve ser criteriosa. Não se pode acreditar
em um profissional que faz um check-list do aluno em poucos minutos e ele já sai
com uma receita de remédio tarja preta. É preciso que psiquiatras, pediatras,
professores e pais enxerguem que a saúde dos estudantes está nas mãos
deles.
Medicar as crianças indiscriminadamente, como está sendo proposto
nos Estados Unidos, é uma irresponsabilidade. Um remédio errado, tomado por um
período extenso, pode afetar física e mentalmente os pacientes. No caso do
medicamento para TDAH, que é um neuroestimulante, é possível que a pessoa tenha
alternações no desenvolvimento da concentração, do foco e da disciplina. O
resultado pode ser uma dependência, não química, mas social de remédios para que
o indivíduo se mantenha controlado e comportado.
Vale lembrar ainda que a
escola não trabalha com laudos, mas com alunos. Não é aceitável basear-se em um
laudo médico para ensinar mais ou menos a uma criança. Todos têm direito à
Educação e quem precisa da ajuda de um medicamento não pode ser taxado como
"aquele garoto ou garota que toma remédios e que, portanto, não é capaz de
aprender".
http:// revistaescola.abril.com.br
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