Dias atrás, encontrei aqui,
em uma de nossas ruas mais movimentadas, com uma das folclóricas figuras de
nossa cidade espiritual – ou, porventura, acham vocês que, deste Outro Lado,
elas, igualmente, não existem?!
- Dr. Inácio?! –
cumprimentou-me de semblante preocupado.
- Como vai, “Apocalipse”?! –
perguntei apertando-lhe a mão, que estendera para mim, e chamando-o como ele
faz questão de ser chamado.
- Vamos indo, Doutor.
- Muito trabalho?! – inquiri
no diálogo breve que mantivemos.
- O senhor nem imagina...
E ajeitando, no corpo, as
roupas, um tanto andrajosas, que fazem jus ao seu codinome, acrescentou:
- Se eu fosse Deus, ainda que
por um minuto, eu acabava com o mundo...
- Mas assim, sem mais ou
menos?! – insisti.
- Ah, Doutor, a Humanidade
está dando muito trabalho para o João... Do jeito que a coisa está não pode
continuar! Eu acabaria com tudo – transformaria tudo em poeira cósmica!...
- “Dando trabalho para o
João”?!... – interroguei curioso.
- Ora, Doutor – esclareceu,
com uma ponta de indignação –, para o João Capeta, meu amigo?!...
- João Capeta?! De quem se
trata?!...
- Do próprio!...
- Do “Chifrudo”?!...
- Ele mesmo, Doutor! É muito
meu amigo...
- Não me diga, “Apocalipse”!
Eu sempre soube que você tem muitas amizades nas altas esferas, mas...
- Dr. Inácio, o senhor é um
homem inteligente – ponderou, segurando-me, afavelmente, no antebraço. – O
senhor quer me dizer que o João, meu amigo, não está tendo mais trabalho que
Jesus Cristo no mundo?!...
- Aí eu sou obrigado a
concordar com você! – exclamei, dando um passo atrás, devido ao forte cheiro de
cebola que emanava de sua boca desencarnada.
- Então?!...
- De fato, devo reconhecer
que, em nosso país, lá pelas bandas da Capital Federal, o João anda tendo muito
trabalho – chega a ser de desanimar quem, ao que sei, até hoje, desde quando
apareceu a Adão e Eva, em forma de uma serpente, ainda não havia desanimado!...
- Doutor, coitado de Jesus
Cristo! Aquele povo que, um dia, ele expulsou do templo... Lembra-se?! Expulsou
com um chicote na mão...
- Claro que me lembro –
redargui. – Ainda trago nas minhas costas a marca da lambada que levei...
- O senhor estava lá?!...
- Penso que sim,
“Apocalipse”, pois eu não tenho outra explicação para a dor que, até hoje, está
doendo em mim.
- Então, Doutor, com exceção
do senhor, aquele povo voltou tudinho – a coisa está pior do que antes!...
- Realmente – concordei com a
figura conhecidíssima de nós outros e que, quando encarnada, vivia anunciando o
fim do mundo.
- É por isto que digo,
Doutor: eu não posso ser Deus, porque se eu fosse Deus por um minutinho só...
- Melhor, “Apocalipse”, que
você não seja – nem você e nem eu!...
- O quê?! O senhor
também?!...
E antes que o assunto
desandasse e ele cismasse em me emprestar o seu megafone colorido, despedi-me
do amigo, mas não sem antes lhe pedir, encarecidamente:
- Recomende-me ao João,
“Apocalipse”!...
INÁCIO FERREIRA
Uberaba – MG, 12 de setembro
de 2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário