20.1.22

A CORDA

    Era uma vez dois países, cortados por um rio, rápido, largo, perigoso, no qual muitos se afogavam ao tentar atravessá-lo.
    Em um país fluía o leite e o mel - era chamado o país da felicidade.
    O outro, rasgado por brigas e devastado pela preocupação, era chamado o país da infelicidade.
    Um dia um homem observa aquele meio e, por Amor, resolve fazer alguma coisa.
    - Vou esticar uma corda de uma margem à outra. Mesmo que eu morra ao enfrentar os perigos do rio, não importa.
    No futuro, outros poderão apanhar a corda, atravessar o rio com segurança e atingir o país da Felicidade.
    Esse homem executa o seu projeto: encontra uma corda, amarra uma das extremidades em uma árvore, agarra a outra ponta e mergulha na correnteza, lutando contra as ondas.
    No meio da espuma e dos rodamoinhos, caçadores confundem-no com um animal e atiram nele, ferindo-o mortalmente. Mas num último esforço, o homem consegue atingir a outra margem e amarrar a corda a uma árvore. Pela falta de discernimento dos caçadores, morre, mas não antes de atingir o seu objetivo.
    A partir desse momento, tal homem de coragem foi reverenciado por todos, que diziam:
    Ele morreu para nos salvar; é digno do nosso amor.
    Na verdade, rendiam-lhe homenagens. Todos o faziam.
    Mas poucos seguiam o seu exemplo.
    - Se segurarmos a corda, não corremos o risco de nos afogar...
    Mas... a água está tão fria e o rio é tão largo...!
    O perigo da travessia continua grande!
    E assim, no decorrer dos anos, a corda foi esquecida.
    Coberta de algas e de galhos, não era mais visível.
    Porém, o culto ao herói sobreviveu:    o povo construiu monumentos em sua memória, cantou hinos em sua honra e continuou evocando o seu nome, pelo grande amor que aquele ser lhes havia dedicado.
    Vieram as gerações: a segunda, a terceira, a quarta...
    Oradores, cientistas e letrados falavam das virtudes do herói e diziam como que, morrendo, ele salvara os homens.
    Mas nunca mais se falou da corda jogada por cima do rio.
    Tinha sido completamente esquecida.
    Os argumentos, os discursos e os ensinamentos dos chamados "sábios" acabaram criando uma grande confusão.
    Superstições proliferaram e raros foram os que conseguiram distinguir a Verdade.
    Oradores declaravam:
    Por que esta disputa?
    A única coisa necessária é adorar o herói como um Deus e acreditar que ele morreu para a salvação de todos.
    E eis que quando nós morrermos, entraremos sem dificuldades no país da felicidade.
    Se o nosso corpo nos proíbe, por enquanto, a travessia do rio, após a morte a nossa alma voará para o outro lado.
    O amor, a potência e a coragem do herói eram tão grandes que tudo o que pedirmos ao seu espírito ele nos concederá se demonstrarmos bastante amor.
    Quando o povo ouviu isto, sentiu uma alegria imensa e cobriu de honrarias os oradores, falando:
    Grande é a sua sabedoria, pois nos mostram um caminho fácil.
    É simples: adorar, rezar e solicitar ao nosso herói a salvação na hora da nossa morte. Portanto, agora, comamos, bebamos, sejamos alegres e aproveitemos da melhor maneira a nossa estada no meio onde estamos.
    Nesse meio tempo o espírito do herói contemplava os seus irmãos com tristeza, escutando as suas orações e súplicas.
    Eles haviam esquecido a corda que ligava o país da infelicidade ao da felicidade e que havia custado a vida do herói, para deixar a todos o exemplo de Coragem e o caminho da Paz, que passa pela educação do coração e pela vontade de amar a todas as criaturas.
    Aquele povo perdera a chave que lhes permitiria ler as palavras daquele herói e de outros que existiram antes dele.
    Liam com os olhos da carne, em vez de lerem com os olhos da alma.
    Ainda surdos para ouvir, não conseguiam escutar o herói que continuava a clamar:
    Acorda!!!  A Corda!!  Acorda!!!
 
    (AD)

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