14.12.21

O Legado de Samir


Samir Abou Hana voltou para a dimensão do espírito. Fluiu de seu corpo de carne retornando para a nossa essência transcendental.
Todos nós passaremos por essa experiência mais uma vez – porque já fizemos isto outras tantas vezes na nossa trajetória de vida. Quando ela se conclui novamente uma pergunta se faz pertinente, a mesma que aquela música natalina nos indaga: e o que você fez?
O que fazemos na existência ganha a definição de legado. Legado é o que deixamos para a humanidade como testamento da nossa passagem, nossa marca, aquilo pelo qual seremos lembrados.
Pois bem, Samir Abou Hana deixou a sua. Ou as suas marcas nesta caminhada terrena.
Conheci Samir pessoalmente num programa de rádio. Era secretário da minha cidade e fui escalado para participar do quadro “Debates Populares”. Cumpri o meu dever e, ao final do programa, ele me perguntou: “Você poderia voltar novamente na próxima semana?”. Surpreso com o convite, confirmei meu retorno. Na semana seguinte, depois de outro debate, ele refez o convite. Depois de algumas idas, ele perguntou se não poderia ficar vindo todas as semanas. Já acostumado com a rotina daqueles momentos agradáveis de reflexão, aquiesci. Às vezes, eram duas ou três vezes que batia ponto às 11 horas. Certa vez o questionei o porquê dele gostar da minha presença: “Você é plural, fala de tudo, e é disso que eu preciso neste programa e ainda por cima se expressa bem”.
Aí vai um legado de Samir: identificar talentos.
Quantos representantes de diversas áreas ganhavam cadeira cativa nos seus programas de rádio e televisão exatamente porque ele enxergava a vocação deles para se comunicar bem com seu imenso público sobre o tema em questão? Muitos profissionais se tornaram conhecidos porque Samir apostava no talento que estava, às vezes, no anonimato. Faro? Sensibilidade? Intuição? Talvez um pouco de cada um. O fato é que ele sabia o que queria e quem poderia entregar bem na sua expectativa e propósito.
Nos “Debates Populares” fui revelando a minha identidade filosófica espírita.   Foi outra sintonia imediata. Cristão e espiritualista espírita, mas não declarado, Samir acolheu todas as minhas solicitações de personalidades que trazia para Pernambuco nos eventos que coordenava. Uma vez, ele estava com programa na TV Tribuna. Liguei para ele pela manhã e disse que estava trazendo uma médium de pintura para um evento. Imediatamente, Samir pediu que a levasse para o programa dele, mesmo com outra agenda pronta. Habilmente, deixou os outros convidados de lado e explorou os dotes da médium que demonstrou suas habilidades psíquicas. O programa teve uma estrondosa repercussão na época. Faro? Sensibilidade? Intuição? Talvez um pouco de cada um. O fato é que ele sabia o que o povo gostava e poderia reter a atenção.
Outro legado, portanto, de Samir: apostar na espiritualidade.
Quando trazia temas como esse à baila, quando conversava sobre os problemas dos seus ouvintes, quando dava os seus conselhos de coração, quando introduzia temas afetos à emoção e ao sentimento, quando dava as suas famosas ternurinhas, quando se colocava na postura do “amigão”, estava falando ao espírito humano. Dessa forma, encontrava eco no coração de quem lhe via ou ouvia. E fazia, por essa justa razão, ouvintes fieis.
A vida me levou a trabalhar mais proximamente de Samir Abou Hana. Passei um tempo na Rádio Ternurinha e desenhei um projeto que o levava para além da rádio e televisão, mas que não conseguimos avançar. Na rápida experiência da rádio parava, muitas vezes, para vê-lo ao microfone. Ele, o microfone e o ouvinte. Parecia que dois amigos estavam conversando ao pé do ouvido e não existia ninguém mais. Neste momento, com sua voz diferenciada, ele se comunicava na linguagem e no nível de entendimento do seu interlocutor. Podia ser uma pessoa simples ou um letrado de qualquer saber, ele mantinha um diálogo de qualidade. Faro? Sensibilidade? Intuição? Talvez um pouco de cada um. O fato é que ele sabia levar a mensagem certa para o público certo, na hora certa, do jeito certo.
Talvez esteja neste particular a maior força de seu legado: saber se comunicar.
Samir Abou Hana é mestre da comunicação. Sim, ele continuará a sê-lo, embora a sua paixão disfarçada pelas coisas da saúde. Esta habilidade de falar no contexto do outro é rara. Excelência de poucos. A melhor frase, a palavra adequada, a repetição do raciocínio com outras palavras para ser bem compreendido, a busca pela empatia, o bom humor e muito mais eram características desse professor da fala. Culto, lia muito e sobre tudo, conseguia ter papo para qualquer assunto. Quem desejar ser profissional de comunicação deve assisti-lo e ouvi-lo para fazer melhor o seu ofício.
Há outros legados além daqueles a que me referi? Certamente! Há imperfeições do seu caráter as quais omiti? Igualmente! Mas o considerava amigo – e ele também de mim – e os amigos só encontram luz no outro. Ele encontrou e apostou na minha desde o primeiro momento e eu vou fazê-lo do mesmo jeito neste seu instante de sua partida.
Estou triste com o seu retorno, apesar de inevitável. Ele fará falta, muita falta. Não apenas porque é único, como todos nós o somos, mas porque fez a diferença enquanto esteve aqui e fará para as gerações que pararem um pouco para saber quem era Samir Abou Hana.
Samir, seu pai te espera, como aliás, vez em quando, estava ao seu lado para te abençoar os passos. Além dele, você vai reencontrar com aqueles aos quais você nutria admiração e respeito. É o lado bom do retorno. Quando se restabelecer e quiser mandar os seus conselhos de coração, estarei por aqui.
Muito grato por tudo, qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar.
Fique em paz e uma ternurinha pra você!
Carlos Pereira - Blog de Carlos Pereira

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