15.3.20

Dráuzio Varella foi Jesus


Toda vez que fizer a um dos meus é a mim que estarás fazendo.
Perdoai não apenas sete vezes, mas setenta vezes sete vezes.
Não faça ao outro o que não gostaria que o outro lhe fizesse.
Se alguém te bater numa face, oferece a outra.
Bem-aventurados os mansos porque herdarão a Terra.
Bem-aventurados os aflitos porque serão consolados.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados.
Bem-aventurados os que promovem a paz porque serão chamados filhos de Deus.
Amai o seu inimigo.
Ame o outro como você ama a si mesmo.
São numerosos os ensinamentos de Jesus que nos direciona para a mudança de comportamento.
Jesus nos chama a atenção para termos outra visão do mundo e das pessoas. Conhecer os ensinamentos de Jesus é literalmente um convite interior para ser outra pessoa.
Jesus não apenas exerceu seu ofício de mestre da alma com sua retórica, ele demonstrou ser possível colocar em prática. Foi, portanto, absolutamente coerente.
É desafiador, profundamente desafiador, seguir a Jesus, mas ele nos confortou dizendo que era possível fazê-lo, que seu fardo era leve.
O questionamento presente a todos aqueles que aceitam a filosofia de vida pregada e exemplificada por Jesus é se estamos nos esforçando em materializá-la nas nossas existências?
Esforço significa tentativa sincera de sair da condição atual para outra, neste caso, pensar e agir como Jesus.
Esta linha de raciocínio se aplica a todas as situações da vida, mas uma em especial, ocorrida no dia 1º de março no Programa Fantástico da Rede Globo de Televisão, chama-me particularmente à reflexão: o abraço dado pelo médico Dráuzio Varela a presidiária Susy e a repercussão pública desse ato.

Num primeiro momento, as pessoas, de maneira geral, ficaram emocionadas e se empatizaram com o gesto de solidariedade do famoso médico até que foi divulgado que Susy havia assassinado cruelmente uma criança e estava presa numa condenação judicial por um período de 36 anos.
Revolta geral e ataques febris a Dráuzio Varella. Parecia que ele era conivente com o crime cometido por um “monstro”. Execração pública.
Susy foi condenada pela justiça humana. Está pagando pelo seu crime nos ditames da lei. Sofre de solidão e discriminação pelo que fez. O que se quer mais?
O pai da Psicologia Analítica, Carl Gustav Jung, sugeria que se conhecesse todas as teorias, dominasse todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, fosse apenas outra alma humana.
Dráuzio Varella foi humano com outro ser humano, por mais bárbaro que tenha sido o crime cometido por ele.
Não foi conivente, foi tocado por compaixão.
A omissão da informação do crime cometido por Susy certamente daria um tom mais realista a reportagem e eticamente seria o mais aconselhável.
O acolhimento afetivo daquele momento não vai de encontro a dor profunda dos familiares que viu uma criança ser cruelmente assassinada.
Se, porém, evocarmos a Jesus a quem temos como referência, jamais adotaríamos o tom acusatório e de ira que acometeu uma parcela da população.
Jesus abraçaria Susy como Dráuzio Varella a abraçou.
Dráuzio Varella representou Jesus naquele instante.
É importante lembrar que Jesus afirmou abertamente que veio para os doentes – da alma. Os sadios não precisam dele. Jesus veio para as Susys do mundo.
Jesus também veio para os que não conseguem perdoar.
Veio para aqueles que são incapazes de sentir empatia.
Veio para aqueles que desejam fazer justiça com as próprias mãos, algo do tipo “olho por olho e dente por dente”.
Veio para combater a hipocrisia e a maledicência.
Veio para combater o “pecado” e não os “pecadores”.
Veio para ajudar a transformar as suas ovelhas desgarradas, na qualidade que é de Cordeiro de Deus.
Veio para mostrar que é apenas pelo caminho do amor que podemos fazer um mundo melhor, de modo que não haja mais Susy nem qualquer outra manifestação de desequilíbrio.
Certa vez, conta a narrativa evangélica, que trouxeram a Jesus uma mulher pega em adultério e como a lei judaica ensinava que deveria ser apedrejada, fizeram esse questionamento ao Nazareno. Ele, de cabeça baixa, escrevendo na areia, asseverou que quem estivesse sem pecados que poderia atirar a primeira pedra. Ninguém a apedrejou e foram todos embora. Jesus olhou para “Susy” e disse que ele não a condenaria e fez um pedido: ‘não peque mais”.
A onda de ódio que vive uma parcela da população brasileira nos mostra a gravidade do momento que atravessamos. Uma nação que paradoxalmente se alega majoritariamente cristã.
Tempos confusos e turbulentos, mas tempos de afirmação das convicções. E isto deve ser provado nas situações mais decisivas.
Isto lembra Jesus, o mensageiro da paz e do amor. Depois de ser preso arbitrariamente, julgado e condenado injustamente, torturado e assassinado publicamente, só teve palavras de compreensão a sanha enlouquecedora das massas que preferiu condená-lo a Barrabás: “Pai, perdoa, eles não sabem o que fazem”. E ainda foi resgatar na dimensão do espírito o ladrão que se arrependerá, crucificado ao seu lado, e a Judas que o traiu.
Esse é o Jesus que aprendi no Evangelho.
Um Jesus que admiro e é minha referência moral de comportamento, apesar de ainda errar tanto e ter cometido graves faltas nas minhas diversas existências no corpo físico.
Se cada um pudesse olhar para o seu passado delituoso e saber da misericórdia divina no seu presente, não abriria a boca difamatória diante das imperfeições que ainda carrega.
Dráuzio Varella foi Jesus.
E isso foi fantástico.
Obrigado, doutor!

Carlos Pereira – Blog de Carlos Pereira

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