25.8.19

Confesso que Vivi


Numa das suas publicações luminosas, o grande Pablo Neruda apresenta sua obra autobiográfica de extremo bom gosto e requinte literário, a qual peço emprestado seu título para decorrer aqui a minha última experiência no corpo físico.
Confesso que vivi.
Vivi no meio de um povo bom, gentil, que me amou e eu amei.
Vivi no meio de uma gente sofrida, calada pelo caldo do dia a dia, mas que era trabalhadora e, acima de tudo, esperançosa.
Vivi com muitos amigos que me deram a graça de contar com eles em todos os momentos, sobretudo nos mais difíceis. Sou eternamente grato a cada um deles até hoje.
Vivi um tempo obscuro, de falsidades e arbítrio, de muita cegueira intelectual no meu Brasil, mas que, graças a Deus, passou.
Vivi um tempo de incompreensão com as liberdades. Tempos que precisamos ter coragem e fé para tudo suportar e vencer.
Vivi com a fé em Deus, o que é o mais importante, e é o que me segura ainda hoje.
Não tive medo de passar pelo que passei. Foram lições para o meu velho jeito de pensar que necessitava renovar-se em alguns pontos.
A minha pele pode ter sentido eventualmente frio e minha alma sentiu tristeza. É triste ver injustiças e nada poder fazer, senão o grito de alerta e a defesa intransigente pela justiça para todos.
A minha fé me guiou em todos os meus passos.
Quando estava na Igreja e ela fechou as portas para os pobres, tivemos que abri-la para que ela não fugisse a sua missão redentora. Conseguimos novamente inclui-los na agenda das ações pastorais.
Foram tempos difíceis, mas também de enorme alegria. Tudo era oportunidade para mudar – como ainda hoje o é. Sou grato ao Pai por tudo isso.
As incompreensões que sofri são de pouca monta. O Cristo sofreu bem mais e soube relevar, então o que eu passei foi infinitamente menor e sem importância.
Confesso que vivi a fome do meu povo por pão, mas tive que combater mais a fome de amor e de paz que procurei saciar nas criaturas enfermas que o Pai me confiou.
Eu sei que a vida continua com seus desafios e não seria interessante se assim não fosse, porém devemos confiar sempre que tudo tem a mão bondosa do Pai a orientar os nossos caminhos, mesmos que aparentemente eles pareçam tortuosos.
A praga que invadiu o Egito nos tempos idos de Moisés está por se abater no nosso País e no mundo. É uma praga renovadora das mentes e dos corações ainda perdidos na ignorância do amor que é o que realmente sustenta a humanidade. Serão tempos em que a fé deve efetivamente transpor montanhas.
A fé transporta montanhas, é verdade, mas deve começar a transportar de vez o ódio e o egoísmo do coração dos homens. Isso é urgente.
Meus queridos amigos, tenho pouco a vos oferecer, mas o que tiver darei, como sempre, com todo o meu amor e boa vontade.
Na proximidade da data de aniversário de meu desenlace, o meu depoimento sincero de que tudo que vivi continuo a viver do lado de cá da vida.
É duro ainda ver o materialismo reinar nas mentes que poderiam rapidamente abraçar os ecos da espiritualidade que não está distante, pois se encontra em cada um de nós. Cada um, porém, ao seu tempo.
Sou grato pela família, não apenas aquela que me abrigou nos seus braços carnais, mas igualmente a toda a minha família Mecejanense e toda a minha família terrena que me amou e me ama até hoje.
A luta continua! Não percamos mais tempo com coisas que nada acrescentam para o bem maior da humanidade. Cuidemos de fazer estancar as ervas daninhas dos nossos egos e busquemos a paz junto aos nossos irmãos de caminho.
A sorte está lançada para aqueles que não deixarão mais adiar esta oportunidade redentora.
Do meu lado estão muitos daqueles que conviveram comigo nesta jornada terrena: Arns, Eugênio, João Paulo II e outros tantos que continuam a falar de espiritualidade nas missas e eventos carismáticos, onde já nos permitem algum sopro a mais de espiritualidade. Somos gratos a eles também.
Avancemos com Jesus!

Helder Camara – Blog Novas Utopias

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