Notei que a reunião atingia a fase
terminal.
Duas horas bem vividas haviam corrido
céleres para nós.
Raul Silva consultou o relógio e
cientificou os companheiros de haver chegado o momento das preces de despedida.
Os amigos sofredores, aglomerados no
recinto, poderiam receber vibrações de auxílio, enquanto os elementos do grupo
recolheriam, através da oração, o refazimento das próprias forças.
Pequeno cântaro de vidro, com água pura,
foi trazido à mesa.
E porque Hilário perguntasse se iríamos
assistir a alguma cerimônia especial, o Assistente explicou, afável:
- Não, nada disso. A água potável
destina-se a ser fluidificada. O líquido simples receberá recursos magnéticos
de subido valor para o equilíbrio psicofísico dos circunstantes.
Com efeito, mal acabávamos de ouvir o
apontamento, Clementino se abeirou do vaso e, de pensamento em prece, aos
poucos se nos revelou coroado de luz.
Daí a instantes, de sua destra espalmada
sobre o jarro, partículas radiosas eram projetadas sobre o líquido cristalino
que as absorvia de maneira total.
- Por intermédio da água fluidificada –
continuou Áulus -, precioso esforço de medicação pode ser levado a efeito. Há
lesões e deficiências no veículo espiritual a se estamparem no corpo físico,
que somente a intervenção magnética consegue aliviar, até que os interessados
se disponham à própria cura.
O Assistente silenciou, porquanto a palavra
de Silva se fez ouvir, recomendando aos médiuns observassem, através da
vidência e da audição, os ensinamentos que porventura fossem, naquela noite,
ministrados ao grupo pelos amigos espirituais da casa.
Reparamos que Celina, Eugênia e Castro
aguçaram as suas atenções.
Clementino, findo o preparo da água
medicamentosa, consagrou-lhes maior carinho, aplicando-lhes passe na região
frontal.
- Nosso amigo – esclareceu o Assistente –
procura ajudar aos nossos companheiros de mediunidade, favorecendo-lhes o campo
sensório. Não lhes convêm, por agora, a clarividência e a clariaudiência
demasiado abertas. Na esfera dos Espíritos reencarnados, há que dosar
observações para que não venhamos a ferir os impositivos da ordem. Cada qual de
nós deve estar em sua faixa de serviço, fazendo o melhor ao seu alcance.
Imaginemos um aparelho radiofônico terrestre, coletando todas as espécies de
onda, em movimento de captação simultânea. O proveito e a harmonia da transmissão
seriam realmente impraticáveis, e não haveria propósito construtivo na
mensagem. Um médium, pois, não deve demorar-se com todas as solicitações do
meio em que se situa, sob pena de arrojar as suas impressões ao desequilíbrio,
a menos quando, por sua própria evolução, consiga sobrepairar ao campo do
trabalho, dominando as influências do meio e selecionando-as, segundo o elevado
critério de quem já consegue orientar-se para o bem e orientar aqueles que o
acompanham.
Hilário refletiu um momento e indagou:
- Os trabalhos mediúnicos, porém, são
rigorosamente iguais nos três instrumentos sob nosso exame?
- Isso não. O círculo de percepção varia em
cada um de nós. Há diferentes gêneros de mediunidade; contudo, importa
reconhecer que cada Espírito vive em determinado degrau de crescimento mental
e, por isso, as equações do esforço mediúnico diferem de indivíduo para
indivíduo, tanto quanto as interpretações da vida se modificam de alma para
alma. As faculdades medianímicas podem ser idênticas em pessoas diversas,
entretanto, cada pessoa tem a sua maneira particular de empregá-las. Um modelo,
em muitas ocasiões, é o mesmo para grande assembléia de pintores, todavia, cada
artista fixá-lo-á na tela a seu modo. Uma lâmpada exibirá claridade lirial, em jacto
contínuo, mas, se essa claridade for filtrada por focos múltiplos, decerto
estará submetida à cor e ao potencial de cada um desses filtros, embora
continue sendo sempre a mesma lâmpada a fulgurar em seu campo central de ação.
Mediunidade é sintonia e filtragem. Cada Espírito vive entre as forças com as
quais se combina, transmitindo-as segundo as concepções que lhe caracterizam o
modo de ser.
Notando o cuidado que o irmão Clementino
empregava na preparação dos médiuns, meu colega inquiriu ainda:
-A
clarividência e a clariaudiência acaso estão localizadas exclusivamente nos
olhos e nos ouvidos da criatura reencarnada?
Áulus acariciou-lhe a cabeça e acentuou:
- Hilário, vê-se que você está começando a
jornada no conhecimento superior. Os olhos e os ouvidos materiais estão para a
vidência e para a audição como os óculos estão para os olhos – simples
aparelhos de complementação. Toda percepção é mental. Surdos e cegos na
experiência física, convenientemente educados, podem ouvir e ver, através de
recursos diferentes daqueles que são vulgarmente utilizados. A onda hertziana e
os raios X vão ensinando aos homens que há som e luz muito além das acanhadas
fronteiras vibratórias em que eles se agitam, e o médium é sempre alguém dotado
de possibilidades neuropsíquicas especiais que lhe estendem o horizonte dos
sentidos.
Meu companheiro fixou o gesto de quem
aproveitara a lição, mas objetou, reverente:
- Desejava, porém, saber se Dona Celina,
por exemplo, está enxergando o irmão Clementino e ouvindo-o, tão-somente pelo
processo curial de percepção na Terra.
- Sim, isso acontece, por uma questão de
costume cristalizado. Celina pensa ouvir o supervisor, através dos condutos
auditivos, e supõe vê-lo, como se o aparelho fotográfico dos olhos estivesse
funcionando em conexão com o centro da memória, no entanto, isso resulta do
hábito. Ainda mesmo no campo de impressões comuns, embora a criatura empregue
os ouvidos e os olhos, ela vê e ouve com o cérebro, e, apesar de o cérebro usar
as células do córtex para selecionar os sons e imprimir as imagens, quem vê e
ouve, na realidade, é a mente. Todos os sentidos na esfera fisiológica
pertencem à alma, que os fixa no corpo carnal, de conformidade com os
princípios estabelecidos para a evolução dos Espíritos reencarnados na Terra.
Sorrindo, ajuntou:
- Vocês possuem uma prova disso, quando o
homem se encontra naturalmente desdobrado, cada noite, durante o sono, vendo e
ouvindo, a despeito da inatividade dos órgãos carnais, na experiência a que
chamam “vida de sonho”.
E baixando o tom de voz acrescentou:
- Somos receptores de reduzida capacidade,
à frente das inumeráveis formas de energia que nos são desfechadas por todos os
domínios do Universo, captando apenas humilde fração delas. Em suma, nossa
mente é um ponto espiritual limitado, a desenvolver-se em conhecimento e amor,
na espiritualidade infinita e gloriosa de Deus.
Decorreram mais alguns instantes.
- Centralizemos mais atenção na prece,
adestrando-nos para o serviço de bem!
Essa frase foi pronunciada por Clementino,
em voz clara e pausada, como a oferecer uma base única para a convergência de
nossas cogitações.
Atento, porem, aos nossos objetivos de
estudo, acompanhei os médiuns mais diretamente interessados no apelo.
Dona Celina registrara as palavras com
precisão e guardava a atitude do aluno disciplinado.
Dona Eugênia assimilara-as, em forma de
ordem intuitiva, e mostrava-se na condição do aprendiz criterioso.
Castro, contudo, não as recolhera nem de
leve.
Com permissão do supervisor, pusemo-nos em
tarefa de análise.
Observei que sutilmente ligados à faixa
fluídica de Clementino, os três médiuns, cada qual a seu modo, lhe acusaram a
presença.
Dona Celina anotava-lhe os mínimos
movimentos, à maneira do discípulo diante do professor, Dona Eugênia lhe
assinalava a vizinhança com menos facilidade, qual se o distinguisse
imperfeitamente, através dum lençol de nebulosidade, e Castro, embora o visse
com perfeição, parecia completamente alheio à influência do instrutor.
- As possibilidades de Celina e Castro, na
clarividência e na clariaudiência, são por enquanto mais vastas que em nossa
irmã Eugênia – esclareceu Áulus, prestimoso. – Acham-se os três levemente
submetidos ao comando magnético de Clementino e podem identificar-lhe a
presença com analogia de observações, porque, nas circunstâncias em que operam,
estão agindo como pessoas comuns, utilizando-se da percepção habitual.
- Entretanto – aduziu Hilário -, se o trio
foi colocado sob a ordenação magnética do supervisor, por que motivo nossas amigas
lhe acataram o convite, enquanto Castro se mantém visivelmente impermeável a
ele?
- O mentor do recinto exerce apenas branda
influência, abdicando de qualquer pressão mais forte, suscetível de provocar
viciosa imanação, em desfavor de nossos amigos – disse Áulus, convicto. – Alem
disso, a mente de Castro passou, de súbito, a alimentar propósitos diferentes.
Incapaz de concentrar a atenção, de modo irrepreensível, na região superior do
trabalho que nos compete levar a efeito, de momento não mais se revela
interessado em satisfazer ao programa de Clementino, mas sim em provocar um
reencontro com a progenitora desencarnada. Enxerga o orientado do conjunto,
como quem é constrangido a ver alguém de passagem, todavia, sem qualquer
preocupação de escutá-lo ou servi-lo, confinado como se encontra às emoções do
jardim doméstico. Basta a indiferença mental para que nada ouça do que mais
interessa agora ao esforço coletivo da reunião.
Evidentemente desejoso de definir a lição,
no quadro de nossos conhecimentos terrestres, acrescentou:
- É uma antena que se insensibilizou, de
improviso, recusando sintonizar-se com a onda que a procura.
Nesse instante, vimos que um companheiro
simpático de nosso plano avançou do círculo de espectadores, abeirando-se de
Dona Celina e chamando-a, discreto.
- A nobre criatura ouviu-lhe a voz, mas não
se voltou para trás. Entretanto, respondeu-lhe em pensamento, numa frase que se
fez perfeitamente audível para nós: - “Encontrar-nos-emos mais tarde”.
Áulus informou, presto:
- É o esposo desencarnado de nossa irmã que
a visita, com afetuosa solicitação, contudo, disciplinada quanto é, Celina sabe
renunciar ao conforto de ouvi-lo, a fim de colaborar no êxito da reunião com
maior segurança.
Logo após, vimos Castro desdobrar-se de
novo, auxiliado agora simplesmente pelo forte desejo de ausentar-se do círculo
e, revestido das emanações que lhe desfiguravam o perispírito, caminhou,
hesitante, ao encontro de uma entidade amiga que o aguardava a pequena
distância.
-
Nosso cooperador - falou o Assistente -, menos habituado à disciplina
edificante, julga que já fez o possível, em favor dos trabalhos programados
para esta noite, e põe-se no encalço da mãezinha, que vem sendo beneficiada em
nossa organização .
- Não nos foi, porém , possível alongar
anotações.
Clementino, à cabeceira da assembléia,
estendeu os braços e colocou-se em prece.
Cintilações de safirino esplendor
revestiam-lhe agora o busto, dando-nos a impressão de que o abnegado benfeitor
se convertera num anjo sem asas.
Em momentos ligeiros, verdadeiro jorro
solar desceu do Alto, coroando-lhe a fronte e, de suas mãos, passou a
irradiar-se prodigiosa fonte de luz, que nos alcançava a todos, encarnados e
desencarnados, prodigalizando-nos a sensação de indescritível bem-estar.
Nada consegui dizer, não obstante as
perquirições que me esfuziavam o pensamento.
O êxtase do mentor impelia-nos a respeitosa
mudez.
Aqueles minutos de vibração sem palavras
representavam precioso manancial de energias restauradoras para quantos lhe
abrissem as portas do espírito.
É o que eu conseguia depreender pelo
revigoramento de minhas próprias forças.
Terminada que foi a operação inesquecível,
Raul solicitou ainda alguns instantes de tranqüilidade e expectativa.
Competia ao grupo aguardar a manifestação
de algum dos orientadores da casa, à guisa de instrução geral no encerramento.
Dona Celina rogou licença para notificar
que vira surgir no recinto um ribeiro cristalino, em cuja corrente muitos
enfermos se banhavam, e Dona Eugênia seguiu-a, explicando que chegara a
contemplar um edifício repleto de crianças, entoando hinos de louvor a Deus.
Registramos semelhantes comunicados com
surpresa.
Nada víramos ali que pudesse recordar
sequer de longe um córrego de águas curativas ou algum pavilhão de serviço à
infância.
A sala era demasiado estreita para
comportar tais cenários.
Fitando-me, intrigado, Hilário parecia
perguntar se as duas médiuns não estariam sob o influxo de alguma perturbação
momentânea.
Assinalando-nos a estranheza, o Assistente
considerou, prestimoso:
- Importa não esquecer que ambas se
encontram reunidas na faixa magnética de Clementino, fixando as imagens que a
mente dele lhes sugere. Viram-lhe os pensamentos, relacionados com a obra de
amparo aos doentes e com a formação de uma escola, que a instituição pretende,
em breve, mobilizar no socorro ao próximo. Idéias, elaboradas com atenção,
geram formas, tocadas de movimento, som e cor, perfeitamente perceptíveis por
todos aqueles que se encontrem sintonizados na onda em que se expressam. Não
podemos olvidar que há fenômenos de clarividência e clariaudiência que partem
da observação ativa dos instrumentos mediúnicos, identificando a existência de
pessoas, paisagens e coisas exteriores a eles próprios, qual acontece na
percepção terrestre vulgar, e existem aqueles que decorrem da sugestão que lhes
é trazida pelo pensamento criador dos amigos desencarnados ou encarnados,
estímulos esses que a mente de cada médium traduz, seguindo as possibilidades
de que dispõe, favorecendo, por isso mesmo, as mais díspares interpretações.
- Oh! – exclamou Hilário, entusiasmado –
temos aí a técnica dos obsessores quando improvisam para as suas vítimas
variadas impressões alucinatórias...
- Sim, sim... – confirmou o Assistente.
- É isso mesmo. No entanto, evitemos a
conversação agora. O trabalho da reunião vai terminar.
Livro: “Nos Domínios da Mediunidade” - Francisco C. Xavier - André Luiz.