14.9.17

EXAME CRÍTICO DAS DISSERTAÇÕES DE CHARLET SOBRE OS ANIMAIS

    1 - Dissestes: Tudo o que vive pensa; não se pode, pois, viver sem pensar; essa proposição parece-nos um pouco absoluta, porque a planta vive e não pensa; admitis isso em princípio?
    R - Sem dúvida, não falo senão da vida animal, e não da vida vegetal; deveis bem compreendê-lo.
    2 - Mais adiante dissestes: Vereis que o animal vive verdadeiramente, uma vez que pensa; não há interversão na frase? Parece-nos que a proposição seja esta: Vereis que o animal pensa verdadeiramente, uma vez que vive.
    R - Isto é evidente.
    3 - Lembrai-vos dos desenhos que foram feitos sobre os animais de Júpiter; nota-se que tem uma analogia marcante com os sátiros da fábula; essa ideia de sátiros seria uma intuição da existência desses seres em outros mundos, e, nesse caso, não seria, então, uma criação puramente fantástica?
    R - Quanto mais o mundo seja novo, tanto mais se recorda; o homem tinha a intuição de uma ordem de seres intermediários, seja mais baixo que ele, seja mais elevado; é o que chamais deuses.
    4 - Admitis, então, que as divindades mitológicas não eram outras senão o que chamamos Espíritos?
    R - Sim.
    5 - Foi-nos dito que, em Júpiter, pode-se compreender somente pela transmissão do pensamento; quando os habitantes desse planeta se dirigem aos animais, que são os seus servidores e seus operários, tem o recurso de uma linguagem particular? Teriam, para os animais, uma linguagem articulada e entre eles uma linguagem de pensamento?
    R - Não, não há linguagem articulada, mas uma espécie de magnetismo de ferro que faz o animal curvar e fá-lo executar os menores desejos e as ordens de seus senhores; o Espírito, todo-poderoso, não pode se rebaixar.
    6 - Entre nós, os animais tem, evidentemente, uma linguagem, uma vez que esse compreendem, mas muito limitada; os de Júpiter tem uma linguagem mais precisa, mais positiva que os nossos, em uma palavra, tem uma linguagem articulada?
    R - Sim.
    7 - Os habitantes de Júpiter compreendem melhor que nós a linguagem dos animais?
    R - Eles veem neles e compreendem-nos perfeitamente.
    8 - Examinando-se a série dos seres vivos, acha-se uma corrente interrompida desde a madrépora, a planta mesmo, até o animal mais inteligente; mas entre o animal mais inteligente e o homem, há uma lacuna evidente, que deve ser preenchida em alguma parte, porque a Natureza não deixa nenhum degrau vago; de onde vem essa lacuna?
    R - Essa lacuna dos seres não é senão aparente porque ela não existe realmente; provém das raças desaparecidas. (São Luis)
    9 - Essa lacuna pode existir sobre a Terra, mas, seguramente não existe no conjunto do Universo e deve estar preenchendo alguma parte; não o seria ela senão para certos animais de mundos superiores que, como os de Júpiter, por exemplo, parecem se aproximar muito do homem terrestre pela forma, a linguagem e outros sinais?
    R - Nas esferas superiores, o germe eclode sobre a terra e, desenvolvido, não se perde nunca. Encontrareis, em vos tornando Espíritos, todos os seres criados ou desaparecidos nos cataclismas de vosso globo. (São Luiz)
    10 - Dissestes que tudo se aperfeiçoa, e como prova de progresso no animal, dissestes que outrora ele era mais rebelde ao homem. O animal se aperfeiçoa, isto é evidente; mas, sobre a Terra pelo menos, não se aperfeiçoa senão pelos cuidados do homem; abandonado a si mesmo ele retoma a sua natureza selvagem, mesmo o cão.
    R - E o homem, pelos cuidados de que ser se aperfeiçoa? Não é pelos cuidados de Deus? Tudo é escala na Natureza.
    11 - Falais de recompensas para os animais que sofrem maus tratos, e dizeis que é de toda justiça que haja compensação para eles. Pareceria, segundo isso, que admitis no animal a consciência do seu eu depois da morte, com a lembrança de seu passado; isto é contrário ao que nos foi dito. Se as coisas se passam tal como dizeis, disso resultaria que, no mundo dos Espíritos, haveria animais; então não haveria razão para que não houvesse Espíritos de ostras. Quereis, pois, dizer-nos se vedes ao vosso redor Espíritos de cães, de gatos, de cavalos ou de elefantes como vedes Espíritos humanos?
    R - A alma do animal, tendes perfeitamente razão, não se conhece na morte do corpo; é um conjunto confuso de germes que podem passar no corpo de tal ou tal animal, segundo o desenvolvimento que adquiriu; ela não é individualizada. Dir-vos-ei, entretanto, que em certos animais, em muitos mesmo, há individualidade.
    12 - Essa teoria, de resto, não justifica de nenhum modo os maus tratos dos animais; o homem é sempre culpado por fazer sofrer um ser sensível qualquer, e a doutrina nos diz que, por isso, será punido, mas daí, a colocar o animal numa condição superior à dele há uma grande distância; que pensais disso?
    R - Sim, mas estabeleceis sempre, todavia, uma escala entre os animais; pensai que há mundos entre certas raças. O homem é tanto mais culpado quanto mais seja poderoso.
    13 - Como explicais este fato, que mesmo no estado de selvagem o homem se faz obedecer pelo animal mais inteligente?
    R - É a Natureza que age, sobretudo, nisto;  o homem selvagem é o homem da Natureza, conhece o animal familiarmente; o homem civilizado estuda, e o animal se curva diante dele; o homem é sempre o homem diante do animal, quer seja selvagem ou civilizado.
    14 - (A .Charlet). Nada temos a dizer sobre este parágrafo que nos parece racional; tendes alguma coisa a acrescentar-lhe?
    R - Não tenho outra coisa a acrescentar que isto: os animais tem toda as faculdades que indiquei, mas neles o progresso se realiza pela educação que recebem do homem, e não por eles mesmos, o animal, abandonado ao estado selvagem, retoma o tipo que tinha ao sair das mãos do Criador, submisso ao homem ele se aperfeiçoa, eis tudo.
    15 - Isto é perfeitamente verdadeiro para os indivíduos e as espécies; mas considerando-se o conjunto da escala dos seres, há uma marca ascendente evidente, que não se detém nos animais da Terra, uma vez que os de Júpiter são superiores aos nossos, física e intelectualmente.
    R - Cada raça é perfeita em si mesma, e não formando raças distintas, mas não são os Espíritos de animais defuntos.
    16 - Em que se torna, então, o princípio inteligente dos animais defuntos?
    R - Retorna à massa onde cada novo animal haure a sua porção de inteligência que lhe é necessária. Ora, está aí precisamente o que distingue o homem do animal; é que nele o Espírito está individualizado e progride por si mesmo, e é também o que lhe dá superioridade sobre todos os animais; eis porque o homem, mesmo selvagem, como fizestes notar, se faz obedecer mesmo pelos animais mais inteligentes.
    17 - Dais a história de Balaão como um fato positivo; pensais nisso seriamente?
    R - É uma pura alegoria, ou antes, uma ficção para flagelar o orgulho; fez falar o asno de Balaão como La Fontaine fez falar muitos outros animais.
    18 - Nesta passagem, Charlet parece se deixar arrastar por sua imaginação, porque o quadro que ele faz da degradação moral do animal é mais fantástico que científico.
    R - Com efeito, o animal não é feroz senão por necessidade, e foi para satisfazer  essa necessidade que a Natureza lhe deu uma organização especial. Se uns querem se nutrir de carne, foi por um objetivo providencial, e porque era útil à harmonia geral que certos elementos fossem absorvidos. O animal é, pois, feroz pela sua constituição, e não se conceberia que a queda moral do homem pudesse fazer brotar dentes caninos no tigre e encurtar seus instintos, porque então não haveria razão para que não tivesse o mesmo resultado sobre o carneiro. Dizemos antes que o homem, sobre a Terra, estando pouco avançado, aí se encontra com seres inferiores sob todos os aspectos, e cujo contato é, para ele, uma causa de inquietação, de sofrimentos, e, por consequência, uma fonte de provas que o ajudam em seu adiantamento futuro.
    Que pensa Charlet destas reflexões?
    R - Não posso senão aprová-las. Eu era um pintor, e não um literato ou um sábio; eis porque me deixo, de vez em quando, ao prazer, novo para mim, de escrever belas frases, mesmo às expensas da verdade; mas o que dissestes aí está muito justo e bem inspirado. No quadro que tracei, bordei sobre certas ideias concebidas para não machucar nenhuma convicção. A verdade é que as primeiras idades eram idades de ferro, bem distantes dessas pretendidas dores; a civilização, descobrindo cada dia novos tesouros acumulados sobre a bondade de Deus, no espaço tão bem quanto na Terra, faz o homem conquistar a verdadeira terra prometida, aquela que Deus concederá à inteligência e ao trabalho, e que não entregará toda enfeitada nas mãos de homens e crianças, que deveriam descobri-la pela sua própria inteligência.
       De resto, esse erro que cometi não podia ser nocivo aos olhos de pessoas esclarecidas, que deveriam facilmente reconhecê-lo; para os ignorantes, passariam despercebidos. Entretanto, eu errei, nisto envergonho; agi levianamente, e isto vos prova em que ponto deveis controlar as comunicações que recebeis.

Continua amanhã...

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