O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE publicou recentemente dados acerca das religiões no Brasil. A conclusão dos números segue a mesma tendência dos levantamentos anteriores:
Queda crescente da população católica: de 88,7% (1980) para 56,7% (2022);
Crescimento constante dos adeptos do protestantismo e do evangelismo: de 6,5% (1980) para 26,9% (2022);
Avanço daqueles que se declaram sem religião: de 8% (2010) para 9,3% (2022);
Crescimento dos seguidores da umbanda e do candomblé: de 0,3% (2010) para 1% (2022);
Recuo dos espíritas declarados: de 2,2% (2010) para 1,8% (2022).
Como militante espírita, cabe-me abordar o comportamento estatístico do número de espíritas, pois não tenho competência, nem lugar de fala, para interpretar o resultado pelas religiões acima citadas.
Sobre a quantidade de espíritas no Brasil, há alguns pontos a destacar:
Considerando a projeção da população brasileira em 2022, ano de publicação da pesquisa do IBGE, de 210 milhões de pessoas, o contingente de espíritas seria em torno de 3,8 milhões de seguidores;
A região com a maior concentração de espíritas é a Sudeste (2,7%);
O espiritismo no Brasil é composto mais de mulheres que homens: 6 a cada 10 espíritas são do sexo feminino. Dentre as religiões pesquisadas é aquela que mais possui a participação das mulheres.
Via-de-regra, o declínio da quantidade de espíritas pode ser relativizado por alguns aspectos:
Há muitos espíritas sazonais. São simpatizantes da doutrina espírita e transitam eventualmente nos centros espíritas, sobretudo quando possuem alguma demanda que acreditam verem atendidas nestes núcleos públicos, mas, na prática, se sentem pertencentes a outro credo religioso;
Há muitos espíritas sem saber. São os que aceitam os princípios fundamentais do espiritismo, já demonstrado em outras pesquisas nacionais, porém, estão na contabilidade das outras religiões;
Há muitos espíritas tímidos. São aqueles que, por alguma razão, não querem se denominar claramente espíritas.
O fato é que, no mínimo, houve uma estagnação da quantidade de espíritas declarados na estatística oficial. Esta constatação não é negativa ou positiva, representa apenas o status atual de um movimento que se pretendia científico e filosófico, no seu nascedouro francês, mas que ao ser transportado para o Brasil, por diversas razões, ganhou tintas religiosas e, como tal, se estabeleceu, até oficialmente, a ponto de figurar nas pesquisas populacionais de definição religiosa.
A proposta originária do espiritismo, segundo o sistematizador do pensamento espírita, Allan Kardec, era que ele fosse
“Ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que dimanam dessas mesmas relações.”
Ou
“Uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal.”
O Que é o Espiritismo, Preâmbulo, Allan Kardec.
Quando o espiritismo chegou ao Brasil, na segunda metade do século 19, foi assimilado primeiramente por profissionais liberais e pessoas com certo nível de instrução educacional. A partir do século 20 começou um processo de massificação das ideias espíritas, em boa parte pela presença de médiuns de sensibilidades destacadas que chamaram a atenção geral pelos seus feitos extraordinários (Carmine Mirabelli, Chico Xavier, Eurípedes Barsanulfo, Arigó, entre muitos). A farta produção literária e os atendimentos médico-espirituais, cirurgias e receituários, foram outros fatores que ajudaram na popularização da doutrina espírita.
Toda essa disseminação de conteúdo aconteceu sob a égide de certo sincretismo com a religião católica, onde as crenças iam se ajustando de acordo com as conveniências do adepto. Surge neste bojo, em grande número, a figura do espiritólico, como alguns gostam de denominar. É como se o espiritismo fosse uma reforma do catolicismo, onde se aceita a reencarnação e se pratica a mediunidade.
Neste contexto, o movimento oficial espírita brasileiro resolve proclamar o espiritismo como uma proposta de tríplice aspecto (ciência, filosofia e religião), no entanto, os centros espíritas, na sua maioria, se comportam como igrejas, demonstrado pelas suas práticas ritualísticas e dogmáticas – tudo aquilo que foi renegado pelo fundador do espiritismo.
Bem, algo relevante a se concluir com este caminho histórico de se tornar mais uma religião no palco das crenças é que se não fosse este desvio de rota dificilmente o espiritismo seria um movimento significativo no Brasil como é hoje, pois, possivelmente, poucos seriam os seus adeptos.
O senhor Allan Kardec imaginava outro destino para o espiritismo.
Como reconhecia que a doutrina espírita não trazia nada de novo, uma vez que seus postulados eram de domínio geral, acreditava que as religiões absorveriam com o tempo seus referenciais teóricos e práticos pela força das coisas, de modo que um dia se encontraria espíritas-católicos, espíritas-evangélicos, espíritas-budistas, espíritas-muçulmanos...
Bernard de Chartres, no século 12, desenvolveu um pensamento interessante: “Se vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de gigantes”. Era, creio, a posição que possivelmente Allan Kardec estava quando concebeu a filosofia dos imortais.
O movimento espírita brasileiro trouxe o espiritismo para a visibilidade do chão classificando-o como mais uma religião.
A direção do espiritismo, porém, pode e deve ser outra.
Deve ser outra porque vivemos num mundo com uma realidade bastante diferente dos séculos 19 e 20 movido pelos avanços da tecnologia e da ciência.
Deve ser outra porque as pessoas vivem num outro nível de consciência e de liberdade de pensamento sem as amarras institucionais sectárias e de manutenção do poder como no passado.
Deve ser outra porque se avizinha, provavelmente, uma era de transformações extremamente impactantes para a humanidade e, progressista como se pretende ser, não pode ficar a reboque das mudanças.
O espírito Emmanuel na introdução do livro Nosso Lar, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier (1943), chama a atenção para o foco das ações dos espíritas e do movimento espírita:
“(...) em nosso campo doutrinário, precisamos, em verdade, do espiritismo e do espiritualismo, mas, muito mais, espiritualidade.”
Talvez seja esta a missão atual do espiritismo, isto é, ser um canal para levar espiritualidade à humanidade, de modo que este propósito torne as pessoas melhores e conscientes de seu papel no contexto terreno e cósmico.
Ser mais um instrumento de sensibilização para o despertamento espiritual sem a pretensão de somar seguidores. Aliás, foi isto que também previu o senhor Allan Kardec quando afirmou que o espiritismo não seria o protagonista das mudanças sociais, mas um coadjuvante delas.
Frase atribuída ao filósofo espírita Léon Denis defende que o espiritismo não seria a religião do futuro, mas o futuro das religiões. Se é por aí que devemos andar então nosso jeito de caminhar está torto. Esta concepção entende que o espiritismo não se propõe a substituir outras religiões, mas oferecer elementos que possam contribuir para o desenvolvimento espiritual de todos, independentemente da sua fé.
Para alcançar este objetivo, urge mudar a direção das velas de nosso movimento espírita. Entre outras diretrizes poderia
Transformar os núcleos espíritas em escolas do espírito em vez de escolas de espiritismo – ter um papel educacional;
Contextualizar a abordagem às necessidades e a realidade das pessoas em vez da imposição de repertório – humanizar as suas práticas;
Promover a melhoria moral, contribuindo para desenvolver homens de bem, em vez de esperar que os frequentadores se tornem “espíritas de carteirinha” – fomentar a mudança por valores;
Dialogar com a diferença, construindo pontes de ação conjunta, em vez de ficar isolado em ilhas de conhecimento – praticar a ética da alteridade;
Focar no desenvolvimento da espiritualidade em vez de desejar espiritizar as pessoas – mudar a abordagem relacional.
Que o conhecimento espírita leva o ser humano naturalmente ao desenvolvimento da sua religiosidade isto não se tem a menor dúvida, até porque a filosofia espírita baseia-se numa concepção deísta, mas institucionalizar-se como tal definitivamente foi um equívoco.
Continuemos a ser núcleos de discernimento para as consciências e de libertação das ilusões do paradigma material.
Ajudemos a criar um mundo de paz e justiça centrado na fraternidade e na prática do amor.
Contribuamos a emancipar a humanidade para a felicidade de todos.
Talvez assim estejamos sendo verdadeiramente religiosos porque nos tornaremos parceiros do Criador.
Carlos Pereira - Blog de Carlos Pereira.
Queda crescente da população católica: de 88,7% (1980) para 56,7% (2022);
Crescimento constante dos adeptos do protestantismo e do evangelismo: de 6,5% (1980) para 26,9% (2022);
Avanço daqueles que se declaram sem religião: de 8% (2010) para 9,3% (2022);
Crescimento dos seguidores da umbanda e do candomblé: de 0,3% (2010) para 1% (2022);
Recuo dos espíritas declarados: de 2,2% (2010) para 1,8% (2022).
Como militante espírita, cabe-me abordar o comportamento estatístico do número de espíritas, pois não tenho competência, nem lugar de fala, para interpretar o resultado pelas religiões acima citadas.
Sobre a quantidade de espíritas no Brasil, há alguns pontos a destacar:
Considerando a projeção da população brasileira em 2022, ano de publicação da pesquisa do IBGE, de 210 milhões de pessoas, o contingente de espíritas seria em torno de 3,8 milhões de seguidores;
A região com a maior concentração de espíritas é a Sudeste (2,7%);
O espiritismo no Brasil é composto mais de mulheres que homens: 6 a cada 10 espíritas são do sexo feminino. Dentre as religiões pesquisadas é aquela que mais possui a participação das mulheres.
Via-de-regra, o declínio da quantidade de espíritas pode ser relativizado por alguns aspectos:
Há muitos espíritas sazonais. São simpatizantes da doutrina espírita e transitam eventualmente nos centros espíritas, sobretudo quando possuem alguma demanda que acreditam verem atendidas nestes núcleos públicos, mas, na prática, se sentem pertencentes a outro credo religioso;
Há muitos espíritas sem saber. São os que aceitam os princípios fundamentais do espiritismo, já demonstrado em outras pesquisas nacionais, porém, estão na contabilidade das outras religiões;
Há muitos espíritas tímidos. São aqueles que, por alguma razão, não querem se denominar claramente espíritas.
O fato é que, no mínimo, houve uma estagnação da quantidade de espíritas declarados na estatística oficial. Esta constatação não é negativa ou positiva, representa apenas o status atual de um movimento que se pretendia científico e filosófico, no seu nascedouro francês, mas que ao ser transportado para o Brasil, por diversas razões, ganhou tintas religiosas e, como tal, se estabeleceu, até oficialmente, a ponto de figurar nas pesquisas populacionais de definição religiosa.
A proposta originária do espiritismo, segundo o sistematizador do pensamento espírita, Allan Kardec, era que ele fosse
“Ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os espíritos; como filosofia, compreende todas as consequências morais que dimanam dessas mesmas relações.”
Ou
“Uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal.”
O Que é o Espiritismo, Preâmbulo, Allan Kardec.
Quando o espiritismo chegou ao Brasil, na segunda metade do século 19, foi assimilado primeiramente por profissionais liberais e pessoas com certo nível de instrução educacional. A partir do século 20 começou um processo de massificação das ideias espíritas, em boa parte pela presença de médiuns de sensibilidades destacadas que chamaram a atenção geral pelos seus feitos extraordinários (Carmine Mirabelli, Chico Xavier, Eurípedes Barsanulfo, Arigó, entre muitos). A farta produção literária e os atendimentos médico-espirituais, cirurgias e receituários, foram outros fatores que ajudaram na popularização da doutrina espírita.
Toda essa disseminação de conteúdo aconteceu sob a égide de certo sincretismo com a religião católica, onde as crenças iam se ajustando de acordo com as conveniências do adepto. Surge neste bojo, em grande número, a figura do espiritólico, como alguns gostam de denominar. É como se o espiritismo fosse uma reforma do catolicismo, onde se aceita a reencarnação e se pratica a mediunidade.
Neste contexto, o movimento oficial espírita brasileiro resolve proclamar o espiritismo como uma proposta de tríplice aspecto (ciência, filosofia e religião), no entanto, os centros espíritas, na sua maioria, se comportam como igrejas, demonstrado pelas suas práticas ritualísticas e dogmáticas – tudo aquilo que foi renegado pelo fundador do espiritismo.
Bem, algo relevante a se concluir com este caminho histórico de se tornar mais uma religião no palco das crenças é que se não fosse este desvio de rota dificilmente o espiritismo seria um movimento significativo no Brasil como é hoje, pois, possivelmente, poucos seriam os seus adeptos.
O senhor Allan Kardec imaginava outro destino para o espiritismo.
Como reconhecia que a doutrina espírita não trazia nada de novo, uma vez que seus postulados eram de domínio geral, acreditava que as religiões absorveriam com o tempo seus referenciais teóricos e práticos pela força das coisas, de modo que um dia se encontraria espíritas-católicos, espíritas-evangélicos, espíritas-budistas, espíritas-muçulmanos...
Bernard de Chartres, no século 12, desenvolveu um pensamento interessante: “Se vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de gigantes”. Era, creio, a posição que possivelmente Allan Kardec estava quando concebeu a filosofia dos imortais.
O movimento espírita brasileiro trouxe o espiritismo para a visibilidade do chão classificando-o como mais uma religião.
A direção do espiritismo, porém, pode e deve ser outra.
Deve ser outra porque vivemos num mundo com uma realidade bastante diferente dos séculos 19 e 20 movido pelos avanços da tecnologia e da ciência.
Deve ser outra porque as pessoas vivem num outro nível de consciência e de liberdade de pensamento sem as amarras institucionais sectárias e de manutenção do poder como no passado.
Deve ser outra porque se avizinha, provavelmente, uma era de transformações extremamente impactantes para a humanidade e, progressista como se pretende ser, não pode ficar a reboque das mudanças.
O espírito Emmanuel na introdução do livro Nosso Lar, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier (1943), chama a atenção para o foco das ações dos espíritas e do movimento espírita:
“(...) em nosso campo doutrinário, precisamos, em verdade, do espiritismo e do espiritualismo, mas, muito mais, espiritualidade.”
Talvez seja esta a missão atual do espiritismo, isto é, ser um canal para levar espiritualidade à humanidade, de modo que este propósito torne as pessoas melhores e conscientes de seu papel no contexto terreno e cósmico.
Ser mais um instrumento de sensibilização para o despertamento espiritual sem a pretensão de somar seguidores. Aliás, foi isto que também previu o senhor Allan Kardec quando afirmou que o espiritismo não seria o protagonista das mudanças sociais, mas um coadjuvante delas.
Frase atribuída ao filósofo espírita Léon Denis defende que o espiritismo não seria a religião do futuro, mas o futuro das religiões. Se é por aí que devemos andar então nosso jeito de caminhar está torto. Esta concepção entende que o espiritismo não se propõe a substituir outras religiões, mas oferecer elementos que possam contribuir para o desenvolvimento espiritual de todos, independentemente da sua fé.
Para alcançar este objetivo, urge mudar a direção das velas de nosso movimento espírita. Entre outras diretrizes poderia
Transformar os núcleos espíritas em escolas do espírito em vez de escolas de espiritismo – ter um papel educacional;
Contextualizar a abordagem às necessidades e a realidade das pessoas em vez da imposição de repertório – humanizar as suas práticas;
Promover a melhoria moral, contribuindo para desenvolver homens de bem, em vez de esperar que os frequentadores se tornem “espíritas de carteirinha” – fomentar a mudança por valores;
Dialogar com a diferença, construindo pontes de ação conjunta, em vez de ficar isolado em ilhas de conhecimento – praticar a ética da alteridade;
Focar no desenvolvimento da espiritualidade em vez de desejar espiritizar as pessoas – mudar a abordagem relacional.
Que o conhecimento espírita leva o ser humano naturalmente ao desenvolvimento da sua religiosidade isto não se tem a menor dúvida, até porque a filosofia espírita baseia-se numa concepção deísta, mas institucionalizar-se como tal definitivamente foi um equívoco.
Continuemos a ser núcleos de discernimento para as consciências e de libertação das ilusões do paradigma material.
Ajudemos a criar um mundo de paz e justiça centrado na fraternidade e na prática do amor.
Contribuamos a emancipar a humanidade para a felicidade de todos.
Talvez assim estejamos sendo verdadeiramente religiosos porque nos tornaremos parceiros do Criador.
Carlos Pereira - Blog de Carlos Pereira.
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