22.6.25

A Mensagem

Deus, soberanamente justo e bom, tem lá seus afazeres divinos, mas, mesmo assim, não deixar de cuidar de nenhum de seus filhos. É o dom da onipresença.
Pois bem, é o que se sabe, certa vez atendi um senhor de nome Manoel. Ele me trazia uma mensagem de longe, de alguém que gostaria de falar comigo, mas que não tinha a menor possibilidade. Seja por causa da distância, seja porque já não estava lá muito bem das pernas.
Ele me trouxe um papel rabiscado, muito simples, mas com letras garrafais, ao qual coloquei-me a ler.
Era um recado. Dizia que eu tivesse cuidado com essa tal de ditadura. “Esses home, Dom Helder, não é de brincadeira não. Se der um motivo e num tomar cuidado eles ferram a pessoa. Tome cuidado!” e assinava o bilhete, mais que uma carta.
Li e sorri diante do cuidado dispensado por ele a mim, de alguém bem distante, mas que se preocupava com este padre.
Agradeci ao portador e fiz também outro bilhete:
“Meu querido irmão Manoel que Deus te abençoe! Fiquei muito lisonjeado com a sua mensagem. Pode deixar, vou tomar cuidado sim. Oremos a Deus por eles, “eles não sabem o que fazem”.
Não soube mais nada sobre o Manoel desde então e continuei a tocar a minha vida normalmente.
Naquela época, todos sabem, eu era fichado pelo SNI. Era o padre vermelho...Ainda riu dessas coisas hoje. Eu, vermelho? Deixa prá lá.
Pois bem, do lado de cá da vida, certo dia, deparei-me com um senhor de trajes simples e uma pá nas mãos. Cuidava esmeradamente de um jardim. Ele me parou e pediu para falar comigo.
- Pois não, meu irmão, o que posso lhe servir?
- O senhor não me conhece, mas eu conheço o senhor e conheço muito bem.
- É, quando eu estava “lá embaixo” eu me tornei bem exposto. Muita gente me conhecia, mas quem é o senhor?  Eu lhe conheço?
- Conhece não, Dom Helder, eu sou o Manoel. Sou a pessoa que um dia lhe mandou uma mensagem para que o senhor tivesse cuidado com a ditadura.
Parei um pouco para pensar e com algum esforço me lembrei do bilhete surrupiado.
- Que bom lhe conhecer pessoalmente, seu Manoel. Obrigado, mais uma vez, pelos seus cuidados. O senhor foi muito importante para aumentar ainda mais a minha vigilância com aquela gente.
- Eles eram perigosos, Dom Helder! Se não rezassem na cartilha deles, eles davam um jeito de desaparecer com a pessoa. Gente esquisita aquela...
- Pois é, meu bom Manoel. Eu tinha uma convicção naquela época que tenho até hoje. Por mais que alguém deseje fazer alguma coisa comigo não me levará distante dos braços de Deus, então eu ficava despreocupado, mas vigilante.
- Gostei dessa sua prosa, Dom Helder. É verdade! Ninguém pode ir mais longe do que estar nos braços de Deus.
- Aquela gente, Manoel, não sabia o que fazia. Muitos cumpriam ordens porque era o emprego deles. Coitados. Às vezes, não concordavam com nada que tinha que fazer.
- Mas fizeram muito mal a muita gente, Dom Helder. Vixe, Maria!
- Deixa prá lá, esse tempo já passou, se bem que tem gente que ainda hoje tem saudade daquele tempo e quer repeti-lo novamente.
- E gente que não sabe o que é liberdade de verdade. Acha que todo mundo tem de pensar de um jeito só e que gente que pensa diferente está errado. Não dá para pensar mais assim, Dom Helder.
- Também acho, Manoel, também acho. Que bom encontrá-lo. Agora que você pode andar direito, quando quiser, é só me procurar. Moro naquele convento grande. É só chegar que a gente leva outra prosa dessa.
- Vou mesmo, Dom. O senhor é bom de conversa.
Parti daquela conversa em reflexão. Ora, tem gente, realmente, que não aceita um pensamento que é diferente do seu. Não suporta uma pessoa que pense diferente dela. Eu sempre pensei o contrário, se alguém pensa diferente de mim serei eu que ganharei com aquele modo diferente de pensar porque me remeterá a lugares não imaginados pela minha mente, mesmo que eu não concorde.
Vocês que estão por aí, creio que este será um tempo de aprender muito sobre isso. Esta tal alteridade como se defende hoje. Respeitar e tolerar o outro que pensa diferente de você e mais: tentar fazer com ele um pacto de paz na diferença.
Eita, que ótimo desafio, não?
A gente só cresce ouvindo e compreendendo o contraditório. Quando nos relacionamos com as pessoas que pensam exatamente como a gente não crescemos, apenas reforçamos nosso ponto de vista.
Estas redes sociais de hoje estão criando um bando de grupelhos intolerantes e de mentalidade única. Sem diálogo com a diferença, sem crescimento do modo de pensar. É um perigo isso.
Até outra oportunidade, se Deus quiser!
Helder Camara - Blog Novas Utopias

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