26.8.21

Tocar a Alma

Quanta esperança trazia uma carta. Ou tristeza. Ela sempre carregava algo muito importante. Um conteúdo tão importante que precisava ser lacrado para que ninguém soubesse ou mesmo pudesse ser perdido por aí.
O tempo passou e hoje quase ninguém mais escreve as tais cartas. A tecnologia acabou com a necessidade de transcrevermos para o papel as nossa mágoas e queixumes, as nossas alegrias e esperanças.
Agora é o WhatsApp ou outra dessas ferramentas tecnológicas de comunicação. Tudo muito rápido. Comunicação instantânea. Sem demora.
No meu tempo, ia a uma agência dos Correios para enviar as minhas cartas aos meus amigos. Ficava imaginando: - Poxa, ela vai cruzar o oceano e vai entrar na casa de meu amigo. Que viagem! Desejaria eu estar dentro dela. E estava, de alguma maneira.
Hoje é quase igual à velocidade do pensamento. Tudo isso num piscar de olhos e gratuitamente. Fala-se com alguém do outro lado do mundo como se estivesse falando com alguém ao nosso lado. Sim, porque até a imagem vem junto.
Nunca imaginava que isto tão cedo fosse acontecer e agora ocorre com uma naturalidade impressionante. As crianças de hoje nem podem imaginar que um dia tínhamos que parar tudo, pegar uma folha de papel, pensar, escrever, colocar num envelope e enviar. E esperar a sua chegada ao destino.
Tudo isso é muito bom e expressa a incrível capacidade humana de fazer coisas extraordinárias. Como antes, o teor da comunicação continua sendo o mesmo daquele que emite a mensagem e o que está no seu coração. Nisto, mudou bem pouco.
A tecnologia humana deu avanços impressionantes, enquanto isso, o coração humano parece ainda estar no tempo das cavernas.
Por que uma coisa não puxa a outra?
Por que o coração humano não muda rapidamente e dá saltos qual a tecnologia?
Preguiça? Desleixo? Falta de vontade? Ou maldade mesmo?
Talvez um pouco de cada isso e algo mais.
Acontece que para dar saltos de grande porte no coração humano só existe uma tecnologia disponível no mercado: o amor.
Enquanto o homem não souber desenvolver a tecnologia do amor em massa ainda tateará de um ponto a outro com muito vagar.
Agora mesmo, vemos no Afeganistão a volta dos terríveis Talibãs.
O que eles têm na mente e no coração? Ódio, vontade de domínio, ignorância com a sensibilidade humana, o quê?
Demos saltos gigantescos naquilo que está fora de nossa corporeidade e ficamos no atraso no que faz parte da nossa intimidade.
Por que não invertermos urgentemente as nossas prioridades?
É difícil, muito difícil, se despojar das nossas dificuldades interiores. Dá um trabalho...
Se fosse apenas dar um toque como se faz num teclado de computador, então tudo já estaria resolvido há bastante tempo.
Não é assim, bem sabemos.
O toque que tem que ser dado no coração é mais intenso e profundo porque tem que chegar no âmago da alma.
Tocar a sensibilidade é entrar no que existe de mais delicado em cada um de nós e é preciso muita competência para se alcançar isso.
Exige renúncia, desprendimento, autoperdão, enfrentamento, ação no bem.
Requer mudança de comportamento e isso demora...
Agora mesmo, há um movimento mundial de combate à fome. A Pandemia que abateu a humanidade deixou muitos que já estavam fora do mapa do crescimento bem mais exposto às vulnerabilidades econômicas e outros mais adentraram nesta faixa perigosa. Esta campanha exige dos mais afortunados um movimento de renúncia de seus patrimônios em benefício dos outros famintos. Quanto é difícil tocar na tecla da transferência monetária porque antes deve tocar na tecla da mudança interior.
Vamos construir um mundo novo, é verdade, mas antes temos que edificar um mundo novo dentro de cada um de nós.

Helder Camara - Blog Novas Utopias.

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