5.8.21

O Bom Samaritano

Um dia, num distante momento da ditadura militar no Brasil, fui acometido de forte febre em alta hora da noite. O que fazer, pensava eu, pois não tinha ainda um telefone a minha disposição.
Foi aí que pensei em pedir ajuda a alguém que passasse na rua para me levar a uma farmácia ou mesmo para um atendimento médico.
Qual não foi a minha surpresa quando parou próximo a mim um carro da polícia, aqueles a quem chamavam de camburão.
- Seu guarda, Deus te abençoe, eu estou precisando da sua ajuda.
- Pode dizer, padre, estou à sua disposição.
- É que estou com muita febre, um tanto amolecido o corpo, e gostaria de ir para um hospital aqui próximo. Você poderia me levar?
Ele olhou para o seu colega de ronda e me disse:
- Claro, Dom Helder, eu sei quem o senhor é, eu faço tudo o que o senhor quiser, mas, por favor, não diga nada por aí que eu lhe ajudei. É que tem um chefe meu que não vai muito com a sua cara e se souber disso, que eu lhe ajudei, posso até perder este trabalho por indisciplina.
- Claro, meu filho, ninguém precisa saber de nosso acordo.
E ele me levou a um hospital público nas imediações das Fronteiras. Fui medicado, fiquei bem e liberado para voltar para casa. Quando saí para pegar um táxi, quem estava lá senão meu novo grande amigo.
- Você por aqui, rapaz, pensei que já tivesse ido.
- E iria deixar o senhor por aqui, a essa hora da madrugada, de jeito algum. Posso lhe levar para casa agora, o senhor está liberado?
- Sim, foi apenas um mal-estar, mas devo depois cuidar da possível causa deste desconforto.
E foi ele me deixar nas Fronteiras.
Agradeci seu empenho e atenção. Ele novamente me asseverou:
- Por favor, lembre-se do nosso acordo.
- Pode deixar, meu filho, boca calada.
Não falei isso para mais ninguém. Até havia me esquecido da caridade do meu bom samaritano. O tempo passou. Desencarnei como dizem os espíritas. Do lado de cá da vida eis que um dia me deparo com um moreno fortíssimo, rosto familiar, mas não sabia quem era.
- Dom Helder, novamente nos encontramos, quem é vivo sempre aparece, não é?
E demos uma tremenda gargalhada com a sua observação.
- O senhor não se lembra mais de mim, mas eu lembro muito bem do senhor. Sabe aquele dia que o senhor estava com febre e saiu pela rua a pedir ajuda para ir a um hospital?
A cena me voltou toda à mente.
Abracei-o sorridente. Que felicidade!
- Muito obrigado, meu filho, pelo seu ato de caridade naquela noite.
- Não há de que, Dom Helder, mas eu faria tudo de novo e fiz de bom coração.
- Eu sei, eu sei, mas mesmo assim devo agradecer.
- O senhor não falou nada para ninguém ou falou?
- Claro que não, não foi este o nosso acordo, mas cá pra nós, agora eu posso falar, não posso?
Gargalhamos novamente e ele com um aceno de rosto me confirmou.
Pois bem, estou aqui a falar daquele bom moço. Que seu exemplo, que sua coragem, que seu destemor na causa do bem possa servir de referência para todos nós.
Poderia até perder o emprego injustamente.
Poderia ser ridicularizado entre seus pares.
Poderia ser acusado de algo que não havia feito para ser despedido.
Sua consciência, porém, falou mais forte.
É esta exata consciência que evoco neste momento a todo bom cristão: ajudar o irmão de caminho.
Sem pensar, sem pestanejar, sem temer.
E que Deus o abençoe!
Helder Camara - Blog Novas Utopias

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