29.8.21

A Leitura da Arrogância

Assisti, despretensiosamente, ao filme A Livraria (Netflix, 2017), dirigido e escrito por Isabel Coixet, baseado no livro de Penelope Fitzgerald. Despertou-me a curiosidade pelo título e pelo trailer (ver abaixo). Sou aquele a quem se costuma denominar de rato de livraria. Há mais de quarenta anos tento, uma vez por semana, ir a uma bookshop para me deliciar com as novas publicações, consultando todos os gêneros, no intuito de manter-me bem-informado e quiçá adquirir um bom livro. 
Neste período, formei uma biblioteca superior a mil livros. Claro que não li a todos, talvez 40% deles, mas não posso resistir em comprar uma obra que demonstre interesse e que vislumbre, algum dia, conhecê-la melhor. Houve uma época que era compulsivo, pois não conseguia sair da livraria com menos de três exemplares. Os livros e os doces são meus hábitos insaciáveis. 
É maravilhoso identificar um livro bem escrito. Uma ideia original bem apresentada. Capítulos meticulosamente estudados para dar sentido especial à narrativa. Um estilo particular que embeleza a construção de frases, parágrafos, texto. 
Confesso que tentei migrar a leitura para o ambiente não impresso. Tablet, e-book, computador são utilizados por mim há algum tempo, mas não conseguem superar o impacto de uma boa capa, o cheiro gostoso do papel e a facilidade dos destaques no texto. Sim, porque grafar, sublinhar, questionar, riscar, fazem parte, a meu ver, de todo leitor ativo, respeitando naturalmente o modo próprio de cada um que saboreia um livro.
Este é o caso da protagonista do filme, a viúva Florence Green (Emily Mortimer). A recordação do marido que conheceu numa livraria e que costumava ler livros para ela a motivou a abrir uma para si numa pacata cidade litorânea da Inglaterra nos anos 50 do século passado. Os habitantes do lugarejo não eram afetos à leitura, mesmo assim tentou mudar o comportamento daquela gente simples. 
O problema é que encontrou pela frente o antagonismo de uma influente dama da sociedade local, Violet Gamart (Patrícia Clarkson), que boicota de todas as maneiras a livraria, pois tinha planos que no local, a conhecida Old House, funcionasse um centro cultural. Corajosa e persistente, Florence Green enfrenta a toda poderosa, tendo como aliado neste embate um recluso senhor apaixonado por livros, Edmund Brundish (Bill Nighy). 
Embora a película tenha aparentemente como foco os apaixonados pela leitura como eu e possa lembrar outro filme que aborda também esta temática, O Nome da Rosa, baseado na obra de Umberto Eco, há uma narrativa que mobiliza a personagem antagonista: a arrogância. 
Muitas são as cenas em que Violet Gamart demonstra a sua soberba, uma, porém, é mais emblemática. Quando Edmund Brundish vai ao seu encontro para pedir que ela deixe de perseguir Florence Green e, vendo inútil o seu intento, fala verdades sobre ela que morador algum do lugarejo se atreveria sequer em pensar. A dama toda poderosa aperta fortemente seu belo vestido com as mãos por ódio em ser confrontada nos seus interesses. 
Esta é uma das características peculiares dos arrogantes: não serem contrariados por hipótese alguma em seus desejos. A raiva se transforma em ódio, o ódio se manifesta em enfrentar – e destruir – seu opositor. 
A doença do hiperegotismo, que denomino de orgulhite, uma degeneração do orgulho ferido, é gravíssima. Qual a hipertensão, ela fervilha por dentro, mas é imperceptível pelo seu agente. Crendo-se superior, dono da razão, é incapaz de ver nuanças de um ponto. A arrogância se expressa em muitas facetas, explícitas ou sutis, no sentido de ver atendido seu capricho. Geralmente vem acompanhada de comportamentos de indiferença, desprezo, prepotência, presunção, personalismo, dissimulação e preconceito. 
Foram os livros que me fizeram descobrir que também sofro dessa terrível doença e que tento, todos os dias, diminuir os seus sintomas e, sobretudo, ressignificando-me intimamente em aprender a humildar-me em vez de “pavonear-me”.    
Florence Green manteve-se digna no ato deliberado de sabotagem da Violet Gamart. Tinha a seu favor uma postura ética e a vontade sincera de levar luz aos corações ávidos de descobertas por intermédio de um bom livro. 
O fim do filme, aqui narrado resumidamente, não pretendo dar spoiler, nem furtar os leitores e cinéfilos de fazê-lo, no entanto, não é demais lembrar da sua frase conclusiva: 
- “Quem lê um livro jamais se sente um solitário.” 
Boa leitura e um bom filme! 
Carlos Pereira - Blog de Carlos Pereira
Trailer do filme:
https://youtu.be/HHqSqwwdcpg

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