29.4.21

Somos Todos Nomadlandes

O filme vencedor do Oscar 2021, Nomadland, dirigido por Chloé Zhao, a segunda mulher a ganhar a famosa estatueta como diretora, conta a estória de Fern, uma viúva que adota o nomadismo como estilo de vida. Frances McDormand também ganhou o prêmio de melhor atriz por interpretar o personagem. Com o fechamento da fábrica local onde morava e depois da morte do marido, ela parte para sua jornada de desbravamento no interior dos Estados Unidos dentro de uma Van adaptada. O filme traz a reflexão sobre diversos temas, mas seu foco é sobre o valor da liberdade ou da condição errante. 
Num diálogo com uma ex-aluna, Fern também se virou como professora para ganhar a vida, essa condição se evidencia diante da contradição que é ter um teto fixo ou ter um teto móvel para morar ou passar a vida. 
- Minha mãe disse que você é uma sem-teto, é verdade? 
- Não, sou apenas uma sem casa. Não é a mesma coisa, não é? 
- Não. 
Efetivamente, não é. Esta compreensão é fundamental para se medir o grau de fixação de nossos conceitos ou a relatividade deles. Estar num teto fixo pode representar conforto e referência espacial, mas não é o único modo de se morar. Esse modelo de viver remonta do tempo das cavernas. Para não ser abatido pelas feras, nossos ancestrais precisavam estar juntos e unidos num lugar que lhe dessem a segurança da sobrevivência. Esta mentalidade perdurou até hoje. 
Por outro lado, por diversas razões, muitas pessoas tiveram de viverem em trânsito ao longo da história. As guerras, normalmente, provocaram este deslocamento involuntário durante bom tempo para aqueles que tiveram que se refugiar, mas sem destino certo, por exemplo. Se lembrarmos a trajetória dos judeus sob a liderança de Moisés durante quarenta anos é possível ter uma noção deste estado de nomadismo, mas não é este o caso dos “nomadlandes” modernos. É uma decisão pensada e assumida como estilo de vida – embora forçada por estímulos incontroláveis como é o caso de Fern. 
O que está em jogo, neste caso, é tomar a decisão de viver com liberdade, de ter seu ócio criativo, de quebrar a rotina todos os dias, de conhecer novos lugares e pessoas, de ir de encontro ao sistema vigente, de não ter medo das incertezas, de ser dona de seu próprio nariz. 
Isto é difícil de compreender para a maioria das pessoas, mas perfeitamente natural para outras tantas. Este estado de liberdade faz com que pessoas prefiram viver nas ruas a se submeterem aos desígnios de uma vida regrada num abrigo, por exemplo. 
Afora a necessidade imprescindível de viver em liberdade, estaria a condição de viver sem um lugar determinado para se encontrar, aliás, foi esta concepção de vida que fez com que o sistematizador da filosofia espírita, Allan Kardec, cunhasse o termo erraticidade. 
Os espíritos entre as encarnações, por não possuírem, via de regra, um endereço certo para se estabelecerem, estariam na condição errante ou errática. Erro, neste caso, não é sinônimo de inferioridade espiritual, mas apenas para dar a ideia de que, por ainda estar num processo de progresso espiritual, não haveria como determinar a sua morada “definitiva” ou seu ponto referencial de fixação. A erraticidade é, assim, o estilo de vida dos espíritos errantes, em clara analogia, é o estilo de todos nós no nível espiritual que ainda estagiamos. 
Somos todos "nomadlandes" do ponto de vista espiritual. Fern e os demais ativistas deste estilo de vida estariam tão-somente exercitando na terra física aquilo que vivemos na terra extrafísica. 
O nomadismo é igualmente um exercício de desapego, simplicidade, desprendimento, flexibilidade e de outras competências essenciais para o desenvolvimento espiritual. 
A propósito, os espíritos disseram a Allan Kardec que a pessoa verdadeiramente rica é aquela que tem menos necessidades. Pura verdade!
Nas mesas mediúnicas é muito comum se presenciar espíritos bastante perturbados por se preocuparem com os bens que possuíam mesmo sem ter qualquer necessidade deles onde estão. São prisioneiros do passado e das ilusórias posses. 
Talvez Nomadland seja uma ótima oportunidade para refletirmos sobre a importância de não apenas pensar como espírito imortal, mas  principalmente de ter a coragem de vivermos como tal. 
Carlos Pereira - Blog de Carlos Pereira

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