25.4.21

O Último Adeus

Hoje, venho contar um pouco de como foi a despedida que fiz das pessoas queridas onde estava residindo no dia que parti.
Queridos, às vezes despedimos um pouco antes do provável desenlace da carne. São dias difíceis que podemos comparar com a insegurança do banhista que vai fazer o seu primeiro mergulho em águas profundas.
De início, ele busca nadar, depois arrisca um mergulho de cabeça. Depois, tenta ir mais fundo. Abre os olhos na água buscando reconhecer o terreno. Os sentidos, neste caso, ajudam pouco. É mais questão de força, conhecimento e fôlego. Eu acreditava que tinha estes requisitos para enveredar no mundo espiritual. Lá estaria junto dos que me aguardavam há tempos.
Lembro do trecho do Apocalipse: “ Os que estão sob o Altar” (Ap.6,9).
Mas o fôlego estava curto, minha força era só a força de vontade e meu conhecimento estava turvado com os condicionamentos de uma teologia e filosofia ainda incompletas.
Realmente, uma das primeiras coisas que valorizei foi a palavra simples das mulheres com quem convivi. Elas diziam, muitas vezes, que viam os maridos falecidos. Crianças relatavam ouvirem sua anjo-da-guarda. Mas eu não tomava estes testemunhos como um chamado ao estudo do plano espiritual. Acreditava que tudo era o Espírito Santo com sua psicologia querendo ensinar através dos delírios e sugestões variadas de acordo com o que cada um vivenciara.
Mas, que susto quando vi o Pobrezinho de Assis ao pé de minha cama.
Pensei: morri e já estou conversando com São Francisco.
Porém, ele parecia não se importar com o fato do meu espanto e foi conversando suavemente em português comigo. Parecia um amigo próximo que nunca ficava longe.
Foi algo muito forte que experienciei e me deixou com muita coragem pra deixar este mundo e também com muitos questionamentos .
Falamos num diálogo breve sobre o que seria necessário fazer antes de minha partida para o lado da igreja ‘do céu’ (triunfante). Que lá onde eu iria eu teria que aprender muitas coisas e que eu seria um irmão menor outra vez.
Achei estas lições muito reconfortantes. De fato, o peso da autoridade naquele momento me fazia temer o meu destino. Sentia a responsabilidade de meus atos e dos meus erros.
Mas o alívio foi quando o ‘Poverello’ me olhou com ternura e lembrou das vezes que eu celebrei o seu Trânsito. A gente não lembrava da morte de Francisco. Nós dizíamos trânsito. Foi uma caminhada solitária, mas contínua. Não um ponto final, mas um travessão. Emendar a vida física com a vida maior.
Ele disse que muitas vezes ele esteve conosco, olhava para nós e agradecia. Pedia por nossas intenções e abençoava como uma mãe abençoa. Disse também que eu soubesse me libertar. As coisas materiais não podiam ser amarras para o voo que eu iria alçar. No que eu fiquei feliz. Pelo menos eu iria voar e não ficaria numa cova.
Ele riu muito. Foi assim, simples como chegou que ele saiu. Foi uma conexão incrível e que pouco pude partilhar com o temor de ser incompreendido na minha fragilidade de idoso, doente, padre.
Posso dizer que foi como ter visto o Cristo e Maria Santíssima ao mesmo tempo.
Nada no meu físico mudou, mas por dentro foi como se eu tivesse me libertado de um grande trauma.
Senti saudade da rosa do jardim, da caminhada na praia, dos irmãos catadores das Fronteiras, dos antigos companheiros.
Achei que nunca mais os veria e, mesmo assim, não podia me apegar nem ao meu corpo sofrido e debilitado.
Em breve despertaria do outro lado do véu. Cheguei por um instante a pensar que seria um delírio de minha parte ou autossugestão de complacência para comigo mesmo, mas não, logo tirei tudo isto de minha mente e me convenci que como as senhoras um dia relataram, como casei com a igreja, nada mais normal de ver e conversar com o Irmão Francisco.
Paz!
Helder Camara - Blog Novas Utopias

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