23.7.24

ACENDALHAS

AMÉRICO Augusto de Sousa FALÇÃO *

Pensei que a morte ocultasse
A noite pesada e fria,
E a morte deu-me outra face
Dos sonhos de cada dia.
 
Acolhe, afaga e conserva
O passo sem ilusão.
Toda a carne é igual à erva.
Que nasce e retorna ao chão.
 
Se a flama de amor te invade,
Não tente sócio e prazer.
Amor é felicidade
A reluzir no dever.
 
O verbo enfeitado e ameno,
De muita beleza humana,
Parece mel com veneno
Em taça de porcelana.
 
Remorso fremindo em chaga,
Na desculpa que alivia,
É como dor que se apaga
Ao toque da anestesia.
 
Esse diamante que vês,
De faces luminescentes,
Viveu séculos talvez
No chavascal de serpentes.
 
Ergue ao Céu a moradia
Da própria felicidade.
Na Terra toda a alegria
Paga imposto de saudade.
Escritor que atende ao mal
Dando o mal por satisfeito,
Da pena talha o punhal
Que, um dia, lhe vara o peito.
 
Quando o corpo, inerte, expira,
Notamos, amargamente,
Quanta gente na mentira,
Quanta mentira na gente.
 
Afirmas que é hipocrisia
Sorrir para a falsidade.
Mas que outra coisa seria
O ensino da caridade?
 
Humilhado! Mesmo assim,
Perdão é a glória que levas.
A noite ensombra o jardim,
O jardim perfuma as trevas.
 
Muita cautela, Maria,
Cuidado no coração.
Um namoro, cada dia...
Amor não é isso, não.
Evita a palavra turva,
Sê claro, de longe e perto.
Na estrada de muita curva,
O desastre chega certo.
 
Não condenes quem resvala
Onde o vício se avolume.
Muita flor que enfeita a sala
Nasceu na fossa de estrume.
 
Desfaz-se a ostra em escolhos,
Brilha a pérola na rua.
A morte nos cerra os olhos,
Mas a vida continua.
 
(*)   Fez os estudos primários e secundários em João Pessoa, formando-se, em 1908, pela Faculdade do Direito de Recife.Redator de A União e diretor da Biblioteca Pública do Estado da Paraíba. Sócio do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano. <<Poeta magnífico,>> - afirma Edgard Rezende ( Os Mais..., pág 1790 - << produziu composições impregnadas de lirismo suave e encantador,>> Era-lhe,porém, a trova um dos gêneros prediletos, e Luiz Pinto( Ant. da Paraíba, pág. 23) afirma ter sido ele, AF, <<um repentista temido e de incomparável fecundidade>>, a manejar com inteligência a sátira,sua insuperável arma de combate. ( Praia de Lucena,Município de Santa Rita,  Paraíba, 11de Fevereiro de 1880 – João Pessoa, Paraíba, 9 de Abrilde 1942.)
BIBLIOGRAFIA:  Auras Paraibanas; Visões de outrora; Soluços de Realejo; etc.
Livro: Antologia dos Imortais - Francisco C. Xavier e Waldo Vieira

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