27.2.23

Lampião não está no Inferno

A Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense sagrou-se campeã do carnaval 2023 do Rio de Janeiro. O desfile teve como tema “O aperreio do cabra que o excomungado tratou com má-querença e o santíssimo não deu guarida”. 
Conta as desventuras de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, o rei do cangaço. A letra do samba enredo foi inspirada em dois cordéis escritos pelo pernambucano José Pacheco: "A chegada de Lampião no Inferno" e "O grande debate que teve Lampião com São Pedro". Eis a letra: 
Pelos cantos do sertão... Vagueia, vagueia
Tal qual barro feito a mão misturado na areia 
Quando a sanfona chora, mandacaru aflora
Bate zabumba tocando no meu coração
Leopoldinense, cangaceira, a minha escola
Eis o destino do valente Lampião 
Imperatriz veio contar para vocês
Uma história de assombrar
Tira sono mais de mês 
Disse um cabra que nas bandas do nordeste
Pilão deitado se achegava com o bando
Vinha no rifle de Corisco e Cansanção
Junto de Cirilo Antão, Virgulino no comando
Deus nos acuda, todo povo aperreado
A notícia corre céu e chão rachado
Rebuliço no olhar de um mamulengo
Era dia 28 e lagrimava o sereno 
E foi-se então... Adeus, capitão!
No estouro do pipoco
Rola o quengo do caboclo
A sete palmos desse chão 
Nos confins do submundo onde não existe inverno
Bandoleiro sem estrada pediu abrigo eterno
Atiçou o cão catraz, fez furdunço
E Satanás expulsou ele do inferno
O jagunço implorou lugar no céu
Toda santaria se fez de bedel
Cabra macho excomungado de tocaia no balão
Nem rogando a Padim Ciço ele teve salvação 
Lampião foi o mais famoso chefe do cangaço no Brasil. Sua atuação durou dezesseis anos, de 1922 a 1938. Nascido em Serra Talhada, Pernambuco, em 1897, de família de boa condição financeira, alfabetizado, Virgulino viu-se envolvido numa disputa por terras entre seu pai, José Ferreira dos Santos, e um político influente conhecido como Zé Saturnino. Esta disputa levou a morte do seu pai e do “inimigo” da família. 
A entrada no cangaço de Lampião, provavelmente, ocorreu em 1921, no bando de Sinhô Pereira – embora haja registros que tenha acontecido antes. No ano seguinte, com a saída do líder do cangaço, Virgulino assumiu o comando. 
Com o vulgo de Lampião, liderou ataques contra propriedades e cidades em busca de riqueza. Saqueava, solicitava resgate e extorquia, exigindo pagamento para que ele não atacasse a localidade. Para se proteger, desenvolveu uma rede de informantes, os coiteiros, que o auxiliava quando necessário. 
Nas suas investidas pelo sertão do nordeste brasileiro, conheceu Maria Gomes de Oliveira. Em 1930, Maria Bonita, como ficou conhecida posteriormente, abandonou o marido e entrou no cangaço para ficar com Lampião, com o qual tiveram uma filha, Expedita Ferreira Nunes. 
É importante destacar as razões do surgimento do cangaço. Ele faz parte de uma época e de um contexto de profunda desigualdade social, até hoje existente, onde a elite de proprietários de terras detinha um poder quase que absoluto na região onde lideravam, provocando injustiças com a população do local. O banditismo do cangaço surgiu como um contraponto a este domínio autoritário dos “coronéis” que se alimentava mediante a complacência das autoridades políticas. 
A história oficial conta que na madrugada do dia 28 de julho de 1938 (“Era dia 28 e lagrimava o sereno”), o bando de Lampião foi surpreendido por um ataque das tropas volantes da polícia, comandadas pelo tenente João Bezerra. 
Capitão Virgulino, como igualmente era chamado, foi atingido por três tiros numa emboscada na fazenda Angicos, localizada em Poço Redondo, no estado de Sergipe, vindo a falecer.  Seu cadáver foi decapitado e sua cabeça foi levada para diferentes locais em exibição pública (“E foi-se então... Adeus, capitão! No estouro do pipoco rola o quengo do caboclo a sete palmos desse chão”).
Esta é a história de Lampião no plano da matéria, mas como ele foi recebido na dimensão do espírito? 
O enredo da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense afirma que ele foi rejeitado no inferno (“E Satanás expulsou ele do inferno”) e no céu (“Nem rogando a Padim Ciço ele teve salvação”). 
Será que espaço algum da erraticidade teria lugar para Lampião? 
Jesus, porém, não afirmou que veio exatamente para os doentes da alma e que aqui estaria entre nós até resgatar o último dos apartados de Deus?
Pelas narrativas mediúnicas, Lampião não está no inferno – ou o que dele queira se ter uma ideia. 
O espírito de Lampião foi resgatado de um lamaçal numa região do Umbral conforme pode ser observado no livro “Os Dragões – O diamante no lodo não deixa de ser diamante”, do espírito Maria Modesto Cravo, pela psicografia de Wanderley Oliveira:
 
Num salto, Matias saiu daquele lamaçal trazendo nos braços um trapo humano. Os padioleiros aproximaram-se e começaram a limpar as narinas daquele homem magérrimo, escalpelado pelos componentes químicos daquele líquido efervescente. Sem veste e com pele totalmente acinzentada, nem sequer abriu os olhos. Balbuciava sons estranhos e sem sentido. Era Irmão Ferreira. 
→ Deste ponto em diante se expressa Maria Modesto Cravo. 
A partir de então, Lampião, agora Irmão Ferreira, começou um lento processo de recuperação perispiritual no Hospital Esperança que o abrigou para tratamento. 
Recolhido por algum tempo, ele começou a reacender a sua memória obscurecida pelo tempo e pelas perturbações que invadiam constantemente a sua mente, isso porque os seus antigos algozes ou seus inimigos que no presente estavam no mundo espiritual expeliam petardos de ódio na sua direção. 
Recuperada plenamente a memória, absorvidos os elementos deletérios que cobriam e encharcavam seu corpo espiritual, pode lentamente se debruçar para avaliar sua última encarnação. 
Sabia perfeitamente o que houvera feito. Tinha consciência dos descaminhos que enveredou. Sabia que não seria perdoado facilmente por aqueles que prejudicou e até, muitas vezes, vilipendiou. Desejava, no entanto, recomeçar. 
Enquanto expiava o seu passado, se incumbia em tarefas regenerativas no Hospital Esperança. Seu principal trabalho era recolher almas enfermas que, como ele, também haviam enveredado para o mundo do crime. 
Pouco a pouco, no trabalho regenerador, começou a solicitar outras atribuições. Foi aí que foi aconselhado a se inserir no tarefa de proteção espiritual do Hospital Esperança, o que aceitou de bom grado. 
Sua experiência, sua envergadura militar, seus truques de fuga, sua competência de lidar com a adversidade e, principalmente, o seu desejo de trabalhar no bem, o fez juntar novamente parte de seu antigo bando para militar nas fileiras de amor do Senhor Jesus. 
Um encontro emocionante, que merece ser destacado, foi a visita que recebeu de seu tutor espiritual depois da morte, padre Cícero Romão. 
Quando avistou o “Padim Ciço”, suas lágrimas chegaram imediatamente aos olhos. Sentia-se, enfim, de alguma sorte, protegido. Um abraço caloroso, sem palavras, selou definitivamente a sua nova vida. 
Hoje, o Irmão Ferreira atua em toda atividade que requer proteção espiritual reforçada. Aprendeu novas técnicas de vigília no mundo espiritual e constantemente é acionado para tarefas de relevo onde as suas habilidades, aliado à sua fama, é solicitada para os trabalhos. 
É hoje um agente de Deus, um soldado leal e ativo de Jesus, que cumpriu – e cumpre diariamente – seu desígnio de recuperação de almas no serviço do bem, porque não há atividade melhor de redenção de qualquer ser que um dia, por descuido, se desviou dos caminhos do Alto. 
→ Deste ponto em diante se expressa Irmão Ferreira. 
Não costumo aparecer em publicação alguma. Talvez esta seja a primeira vez que me utilizo de um médium para falar um pouco mais de mim e propriamente da minha última estada na carne. 
Não costumo fazer isso porque ainda, no fundo, me sinto um pecador em fase de recuperação moral e minhas dores ainda são veementes na alma. 
Sou um pecador, como outro qualquer, certamente com mais faltas a corrigir. Minha condição atual é fruto da misericórdia divina, da intercessão direta de meu querido irmão Cícero e da acolhida amorosa de Nosso Senhor Jesus Cristo. 
A caridade da minha redenção, do que era ontem e do que sou hoje, é fruto de muita persistência no bem, pois não existe outro caminho para sair da chafurdação de me meti. 
O meu histórico na Terra não me recomenda falar muito, mas operar no bem cada vez mais, no entanto, devo confessar alguma coisas neste momento. 
Primeiramente, não me acho digno de homenagem alguma. Fui um homem comum que “endoideceu” de ódio e se meteu a fazer justiça com as próprias mãos. Era outra ocasião, eu sei, mas nada justifica o que fiz. 
Sou um homem que pede a Deus, todo dia, para não mais me afastar Dele e quando vejo sou escalado para apartar brigas e desentendimentos de pessoas que se arvoram, como eu um dia fazia, como donos da verdade e fazedor da justiça na Terra. 
Outras vezes, me chamam para proteger aqueles que fui algoz. É um jeito tosco de pedir perdão, mas é o que eu posso fazer e me redimi dos meus pecados ou pendências, como preferem falar por aqui. 
No Hospital Esperança recebi guarida para meus dias mais difíceis. O Irmão Matias, do qual sou muito grato até hoje, teve a coragem e o destemor de me buscar nas profundezas de um lodo feroz e inebriante. Sou muito grato a ele até hoje e ele sabe disso. 
Mas o que peço, se é que posso pedir algo, é que se mirem na minha história para não repetirem os desatinos que cometi. 
É dura uma vida no cangaço e quando optei por ela, tinha consciência de que era uma ida sem volta, porque o que eu iria mexer causaria repugnância de muitos que somente me desejariam ver pelas costas. 
Vi uma forma de fazer justiça e, de certa forma, fiz, mas este, certamente, não é o melhor jeito para se conseguir isso. Violência somente gera mais violência. 
Um caso em especial devo relatar. 
Numa das minhas investidas no sertão tive a sorte de encontrar uma mulher destemida. Bonita e fagueira, inteligente e sagaz. Apaixonei-me por ela e minha vida, desde então, não foi mais a mesma. Ela hoje está na Terra, junto de vocês, pegando na lide e se virando como pode. É o jeito dela reparar pelos desfeitos que cometeu e pelos desafetos que angariou. 
Narro isso para dizer que o amor transforma qualquer pessoa. Me transformou, desde então, e me moveu a novas aventuras neste campo deste lado que estou. É o amor que move hoje a minha vida, do modo que posso compreendê-lo e praticá-lo. Aprendo um pouco com Jesus todos os dias e coloco o amor como absoluta prioridade na minha vida. 
Por ora, é só! Tenho saudades do meu tempo no cangaço. Não das estripulias e exageros que fiz. Tenho saudades do companheirismo, da amizade sincera e da alegria, apesar de todo aquele alvoroço. 
Com Deus e com Jesus a minha vida teve outro rumo e espero, desejo de coração, que Eles possam estar com todos vocês, especialmente para os desafortunados pela sorte e por aqueles que são testados em provas difíceis na Terra. Sem os dois, nossas vidas não terão sentido algum e somente vazio e solidão vai dominar as nossas almas. 
Que eles estejam sempre com vocês! 
→ Retorno a escrita. 
Há algum tempo, venho solicitando este contato com Irmão Ferreira. Já tivemos algumas vezes com ele em trabalhos específicos, mas o percebia muito reservado e focado nas suas atividades. 
Por ser pernambucano como ele, desejava ouvir a sua versão, mas ele sempre se esquivava. Hoje, deu-nos a alegria deste depoimento vindo com a nossa querida Dona Modesta. 
Meu agradecimento a ambos pelos depoimentos e por todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para isso. 
Minha solidariedade ao meu irmão de caminhada “Matias”. Cada um do seu jeito e com suas mazelas a corrigir e enfrentar. Ele, como eu, à semelhança do Irmão Ferreira, somos cambaleantes neste processo de autotransformação. Ora, avançamos, ora nos desviamos do caminho planejado. Faz parte da estrada de todos nós que estamos neste planeta de aprendizagem. 
Depois desses fatos narrados, permitam-me remendar os versos da canção da escola vencedora, agora pelo prisma espiritual: 
Quando a sanfona chora, mandacaru aflora
Bate zabumba tocando no meu coração
Leopoldinense, cangaceira, a minha escola
Eis o real destino do valente Lampião! 
Carlos Pereira - Blog de Carlos Pereira

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