13.2.23

Causos de Dom Helder Camara depois da morte - 1

Conheci o termo alteridade pelas mãos de uma leitura espírita. Era um conceito novo e uma palavra diferente que chegava para mim no início dos anos dois mil.
Tem a ver com tudo que se refere ao outro. Reconhecer, interagir, escutar, compreender, avaliar, absorver o que couber e manter uma relação de respeito, construtiva e pacífica com este outro. 
Alteridade, portanto, requer o desenvolvimento de algumas competências como capacidade de ser empático, de evitar o conflito, de cuidar do outro como se cuida a si mesmo. Uma relação de harmonia. 
Espantei-me positivamente com este conceito e decidi assumir o desafio de transformá-lo numa ética existencial. 
Pouco a pouco, percebi da importância e da urgência da alteridade no mundo atual. O pluralismo das ideias, que sempre existiu, ganhou um eco imenso com o surgimento da internet, onde todos possuem a liberdade de lá se manifestarem. 
A confusão é tamanha porque colocamos num grau máximo tudo aquilo que não conseguimos ainda resolver nas relações interpessoais próximas e nas nossas redes de contato. 
Pus-me, então, a ser um defensor da ética da alteridade e passou a ser um objetivo de vida tentar levar esta compreensão a um número maior de pessoas que eu alcançar. 
Pois bem, onde entra Dom Helder Camara neste contexto? Em tudo! 
Helder Camara, encarnado e depois mais ainda em espírito, é profundamente alteritário. 
Lendo o livro “Não deixe cair a profecia”, de Marcelo Barros, antigo assessor dele, por oito anos, para assuntos ecumênicos, deparei-me com o seguinte depoimento: 
“Embora nenhuma circular aluda a isso, sabemos que, em suas leituras, Dom Helder teve acesso ao filósofo Emanuel Levinas e passou a admirá-lo. (...). Para Dom Helder, o outro era a pessoa concreta que ele encontrava e que aprendeu, ao longo da vida, a respeitar e a estimar.” 
Neste contexto, aproveito aqui para trazer duas experiências muito interessantes que tive com ele acerca da alteridade. 
A primeira ocorreu em São Pedro da Aldeia, no Rio de Janeiro, há alguns anos. Fui convidado para fazer uma exposição num sábado à noite. No outro dia, foi-me informado que teríamos uma reunião com o público de diversas casas espíritas da região. Ao chegar lá, no outro dia, deparei-me apenas com dirigentes de casas espíritas. Não havia outro público para expor. Quando comecei a falar, senti a presença do Dom ao meu lado que me pediu para expressar algumas palavras para aquele público. Concordei. Foram mais de 30 minutos do padre Helder falando para dirigentes espíritas. Alegria para todos. Na sua fala algo que juntava a todos nós: o Evangelho de Jesus.  
Lição um de alteridade! 
Noutra ocasião, fui convidado para fazer uma exposição numa casa de Umbanda. Dei meu recado. No fim da minha fala, o dirigente veio até a mim e disse: 
- Carlos, o padre está junto de você o tempo inteiro, deixe ele falar também. Pessoal, agora quem vai falar para vocês é Dom Helder Camara. 
Dom Helder falou para aquelas quase duzentas pessoas e notei que estava bastante feliz por estar ali e com esta oportunidade. Novamente pregou o Evangelho que une a todos nós. 
O surpreendente é que depois da sua exposição, o dirigente da casa conclamou a todos para quem desejasse dar um abraço ou pedir a benção que fizesse uma fila. Creio que a metade daquele povo abraçou ou beijou Dom Helder Camara. Estava satisfeito! Como dizia Paulo de Tarso, foi um com todos para com todos ser com o Cristo. 
Lição dois de alteridade! 
Dito isto, vamos perguntar a ele sobre o tema nesta conversa mediúnica. 
CP. Dom, o senhor se sente feliz em lidar com os diferentes, isto é fato. Como o senhor procede na dimensão espiritual? 
HC. Meu filho, ser padre é abraçar a todos que o procuram. Se estamos alinhados com o Cristo é isto que devemos fazer. Não é dividir, é somar. É isto que fiz e faço. Agora, o outro tem que estar aberto para esse diálogo, senão vira monólogo. É claro que não deixarei de pregar, mas estimularei a troca, isto é que é o importante. Por aqui, sem as amarras institucionais da Igreja, vou e volto aonde eu quiser. Falo com espíritas, budistas, com seguidores de Maomé, com quem se aproximar de mim. Visito monastérios, igrejas evangélicas, todos, enfim. O que importa é estar com o Cristo e ver o Cristo em cada um deles, mesmo que não acreditem ou nem saibam quem Ele é. 
CP. O senhor acha que o Papa Francisco é um homem alteritário? 
HC. Claro que sim! E como é. Temos um papa ecumênico e alteritário por natureza. Ele sempre exercitou isso na sua vida sacerdotal. Sempre foi amigo de judeus e de outras denominações. É um homem afeto ao diálogo e, portanto, sabe o valor que é estar com todos e em todos estar com o Cristo. 
CP. Acredita que a alteridade seja um valor atualíssimo a ser disseminado nos dias de hoje? 
HC. A minha formação cristã me pede sempre para eu ser inclusivo. Não posso diferençar ninguém pelas suas características naturais e tampouco pelo que pensa e acredita, mas tenho que confessar que a situação atual é preocupante. Todos precisam respeitar uns aos outros. Isso é fundamental para uma democracia, mas principalmente para termos relações civilizadas. Hoje, infelizmente, vejo pessoas mal-educadas, grosseiras, que não sabem conversar com ninguém e desejam impor seus pontos de vista de todo jeito. Isso não é bom para o convívio social. Só prolifera, desse jeito, a confusão e a violência. 
CP. Seria interessante ensinar a alteridade nas escolas? 
HC. Em todo lugar! Nas escolas, nas igrejas, pelos meios de comunicação, pela internet. Isso deveria ser uma preocupação geral. Hoje se fomenta mais a guerra do que a união.  
CP. À vontade para dar as suas considerações sobre o tema. 
HC. Eu quero dizer que tudo possui a sua razão de existir. Jesus pregou para todos. Respeitou a todos. Pregou o bem para todos. Nunca fez distinção de credo ou de condição social. É claro que veio trazer uma disciplina nova e que muitos a rejeitariam, como fazem até hoje, que é a disciplina do amor. Quero dizer que sem amor não haverá respeito. Sem respeito não haverá alteridade. Assim, o amor, por natureza, é alteritário. Aprendamos com Jesus! 
É isso! 
Aprendamos também com Helder Camara. 
Carlos Pereira  - Blog Novas Utopias

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