"Pairavam no recinto
misteriosas vibrações de paz e de alegria e, quando as notas argentinas fizeram
delicioso staccato, desenhou-se ao longe, em plano elevado, um coração
maravilhosamente azul, com estrias douradas..."
"Mal saíra da
consoladora surpresa, divina melodia penetrou quarto adentro, parecendo suave
colmeia de sons a caminho das esferas superiores. Aquelas notas de maravilhosa
harmonia atravessavam-me o coração. Ante meu olhar indagador, o enfermeiro, que
permanecia ao meu lado, esclareceu, bondoso.
- É chegado o crepúsculo em
"Nosso Lar". Em todos os núcleos desta colônia de trabalho,
consagrada ao Cristo, há ligação direta com as preces da Governadoria.
E enquanto a música
embalsamava o ambiente, despediu-se, atencioso:
- Agora, fique em paz! Voltarei
logo após a oração.
Empolgou-me ansiedade súbita.
- Não poderei acompanhar-vos?
- perguntei, suplicante.
- Está ainda fraco -
esclareceu, gentil -, todavia, caso sinta-se disposto...
Aquela melodia renovava-me as
energias profundas. Levantei-me vencendo dificuldades e agarrei-me ao braço
fraternal que se me estendia. Seguindo vacilante, cheguei a enorme salão, onde
numerosa assembléia meditava em silêncio, profundamente recolhida. Da abóbada
cheia de claridade brilhante, pendiam delicadas e flóreas guirlandas, que
vinham do teto à base, formando radiosos símbolos de Espiritualidade Superior.
Ninguém parecia dar conta da minha presença, ao passo que mal dissimulava eu a
surpresa inexcedível.
Todos os circunstantes,
atentos, pareciam aguardar alguma coisa. Contendo a custo numerosas indagações
que me esfervilhavam na mente, notei que ao fundo, em tela gigantesca,
desenhava-se prodigioso quadro de luz quase feérica. Obedecendo a processos
adiantados de televisão, surgiu o cenário de templo maravilhoso. Sentado em
lugar de destaque, um ancião coroado de luz fixava o Alto, em atitude de prece,
envergando alva túnica de irradiações resplandecentes. Em plano inferior,
setenta e duas figuras pareciam acompanhá-lo em respeitoso silêncio. Altamente
surpreendido, reparei Clarêncio participando da assembleia, entre os que
cercavam o velhinho
refulgente.
Apertei o braço do enfermeiro
amigo, e, compreendendo ele que minhas perguntas não se fariam esperar,
esclareceu em voz baixa, que mais se assemelhava a leve sopro:
- Conserve-se tranqüilo.
Todas as residências e instituições de "Nosso Lar"
estão orando com o
Governador, através da audição e visão a distância.
Louvemos o Coração Invisível
do Céu.
Mal terminara as explicações,
as setenta e duas figuras começaram a cantar harmonioso hino, repleto de
indefinível beleza. A fisionomia de Clarêncio, no círculo dos veneráveis
companheiros, figurou-se-me tocada de mais intensa luz. O cântico celeste
constituía-se de notas angelicais, de sublimado reconhecimento. Pairavam no
recinto misteriosas vibrações de paz e de alegria e, quando as notas argentinas
fizeram delicioso staccato, desenhou-se ao longe, em plano elevado, um coração
maravilhosamente azul*, com estrias douradas. Cariciosa música, em seguida,
respondia aos louvores, procedente talvez de esferas distantes. Foi aí que
abundante chuva de flores azuis se derramou sobre nós; mas, se fixávamos os
miosótis celestiais, não conseguíamos detê-los nas mãos. As corolas minúsculas
desfaziam-se de leve, ao tocar-nos a fronte, experimentando eu, por minha vez,
singular renovação de energias ao contato das pétalas fluídicas que me
balsamizavam o coração.
Terminada a sublime oração,
regressei ao aposento de enfermo, amparado pelo amigo que me atendia de perto.
Entretanto, não era mais o doente grave de horas antes. A primeira prece
coletiva, em "Nosso Lar", operara em mim completa transformação.
Conforto inesperado envolvia-me a alma. Pela primeira vez, depois de anos
consecutivos de sofrimento, o pobre coração, saudoso e atormentado, à maneira
de cálice muito tempo vazio, enchera-se de novo das gotas generosas do licor da
esperança."
* Imagem simbólica formada
pelas vibrações mentais dos habitantes da colônia. - (Nota do Autor
espiritual.)
Livro: "Nosso Lar",
cap. 3, André Luiz/Chico Xavier
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