O psiquiatra e psicoterapeuta suíço, Carl Gustav Jung, criador
da abordagem da psicologia analítica, afirmou certa vez que “As perdas são
sinais que a vida nos dá de que somos seres de passagem.” Perdas materiais
– que, no fundo, não são perdas – e perdas humanas.
Tais
perdas ou ausências de convívio permitem que possamos refletir sobre a
transitoriedade da nossa existência, colocarmos os pés no chão e pensarmos o
que significa este período de tempo que nos é concedido para viver esta
experiência de aprendizagem.
Sim,
efetivamente, somos seres de passagem.
Passa
a infância, a adolescência, a maturidade, a velhice.
Passa
a primeira namorada, outras paixões e até a companhia atual.
Passa
o estágio, o primeiro emprego, os demais e até a aposentadoria.
Passa
o primeiro filho, o segundo, os netos.
Passa
a pressa de fazer mais e mais até serenar a cadência das coisas.
Passa,
passa, passa...
Ter
consciência desta noção de passagem é, ao mesmo tempo, cruel e sábia. Cruel
porque tudo haverá de nos escapar das mãos por mais que desejemos retê-las para
o infinito. Sábia porque o grande balé da vida nos impulsiona para frente e
mais além.
É
neste contexto de passagem que recordo meus avós, meu tio Valdinho, entre
outros, e mais recentemente meu cunhado Artur Melquiades.
Ele
era quatro dias mais velho do que eu. Ambos dos idos 1965. Apenas quatro dias.
Um dia, ele percebeu que estava emagrecendo mais que o planejado. Depois de
exames, o doutor Artur chegou ao diagnóstico que estava com um câncer no
fígado. Na verdade, um melanoma cancerígeno, aquela pele que reveste o fígado.
Raro.
A
equipe de pares da medicina forneceu o melhor tratamento possível. As chances
de vencer ao câncer eram diminutas, mas possível. E ele se agarrou nestas
estatísticas.
Se já
era um homem humanista, simples (apesar de adorar os produtos da Adidas) e
atencioso com os mais despossuídos, Artur confessava-me nestes últimos tempos
que estava diferente:
“Mudei
da água para o vinho em relação a minha fé e espiritualidade. Eu nunca tive uma
base espiritual e de religião. Eu sinto falta de alguma coisa. Não sei se Deus
está reservando alguma coisa para mim. É um momento difícil. Não tenho forças
para trocar uma roupa, para beber uma água ou me alimentar. Eu me desprovi de
todo sentimento ruim que tinha. Eu desejava ver uma luz, qualquer que fosse. O
que resta agora é esperar.”
Em 6
de novembro de 2024, doutor Artur retornou à dimensão do espírito.
Passei
os últimos dias com ele e a família em Porto Velho, onde residia e trabalhava.
Aliás, ele trabalhava demais. Sempre foi assim como professor, biomédico e
médico. Pouco tempo dava para ele mesmo. Lutou bravamente para ganhar a vida
até poder respirar mais folgadamente na conquista financeira. Não usufruiu do
que poderia usufruir.
Sinto
a sua falta, apesar de termos nos mantido separados por causa da distância de
Recife para a capital de Rondônia. Parece, no entanto, que ele agora está mais
perto que antes.
Mais
perto pelas lembranças.
Mais
perto pelos momentos na sua reta final no leito de uma cama.
Mais
perto por causa de seu neto que é a sua cópia, a meu ver, “esculpida em
carrara”.
Mais
perto porque a dimensão espiritual nos aproxima devido a minha sensibilidade
psíquica.
Neste
ponto, a ciência espírita é espetacularmente consoladora. A sobrevivência e
imortalidade do ser não é mera ficção ou vontade de continuidade. É algo
concreto para outro nível dos sentidos. Vira e mexe, estamos, de alguma
maneira, em sintonia. Que bom!
O
desafio para quem retorna é prosseguir. Preso a um passado ainda bem vivo, mas
convidado a reaprender os passos de espírito imortal que é.
Todos
nós já fizemos isto e, em algum lugar no futuro, seremos impelidos a fazê-lo
novamente.
Claro
que ficarão a saudade e o desejo de outra vez estar pertinho e dividir o
cotidiano.
Como
seres de passagem, o convite da vida permanente é olharmos para frente e nos
inserirmos em outros planos de desenvolvimento espiritual – aqui e lá.
Enquanto,
porém, esta memória não toma um lugar mais tranquilo, pois insiste em bater a
porta da alma quando menos se espera, vivamos cada momento que tivemos com quem
já voltou e lancemos para eles o nosso agradecimento e o nosso melhor
sentimento de amorosidade.
Choremos
também o quanto necessário. As lágrimas são gotas de amor que transbordam pelos
olhos.
E
doutor Artur, como todos os nossos queridos que já viajaram para a Terra dos
Imortais, agora e mais tarde, haverão de nos dizer baixinho na nossa mente, mas
sobretudo para nosso coração:
-
Ainda estou aqui!
Carlos
Pereira – Blog de Carlos Pereira