10.9.24

AH! SE EU PUDESSE

JORGE Mateus DE LIMA*

Que tem este meu corpo,
2    este meu corpo transparente?
Penso habitando um vaso de cristal.
Para onde foram as minhas rugas?!
5    Esconderam-se as rugas
Em mocidade nova...
7   Aonde ficou a minha opacidade?
8   Onde estão os quilos de meu corpo?
Sou agora tão diferente,
Qual pluma leve e multicor...
O que há? O que há?
Se a minha fome se modificou!
Hoje aspiro a essência dos deuses!
E esta luz,
15  esta luz que surge em mim!
Há uma tocha escondida no meu peito.
 
Se não estivesse tão calmo, teria medo,
18  muito medo...
 
E a vontade?
Minha vontade esta valendo mais.
21  Nunca mais invejarei os passarinhos...
 
Mas, a memória! ?
23  Oh! Memória,
Não venha mais aqui!...
Toda vez que volto atrás
sofro até chorar...
 
Ah! Se eu pudesse fazer o mundo
Sentir o que sinto!...
 
29  Ah! Se eu pudesse...
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(*) Tendo concluído o curso médico, em 1914, no Rio de Janeiro, volta Jorge de Lima, em 1922, a Maceió, onde é recebido como o 《Príncipe do Poetas Alagoanos》. Poeta, romancista, jornalista, contista, ensaísta, professor de Literatura na Universidade do Brasil, era um talento multívio. Em sua última fase literária, após ter abandonado o modernismo regionalista que tanta fama lhe trouxera, JL 《incursionou pela poesia religiosa e terminou cultuando uma poesia quase abstrata, ou tirante a escrita automática》. ( Péricles E. da Silva Ramos, in A Lit. no Brasil, III, t. 1, pág.609.) Referindo-se ao Livro de Sonetos do poeta, J. Fernando Carneiro 《informa, com sua autoridade de médico, amigo e exegeta de Jorge de Lima, que ele escreveu todo o livro, 77 sonetos e mais 25 que continuaram inéditos, em pleno estado hipnagógico e no espaço apenas de 10 dias》.(apud A. Rangel Bandeira,Jorge de Lima..., pág. 115) 《O poeta que escreveu a Invenção de Orfeu, e se chamou Jorge de Lima,》- disse Eduardo Portella - 《foi dos mais complexos e fortes de toda a nossa poesia moderna.》《Muitas vezes》 – observa Rangel Bandeira (ibidem, pág. 123) - 《Invenção de Orfeu dá a impressão de ter sido um livro psicografado; era Jorge de Lima que registrava seu próprio delírio.》Segundo Fernando Carneiro, o poeta alagoano foi 《a encarnação da bondade》: 《Tudo em Jorge de Lima estava envolto num halo de bondade, até a sua tristeza, até as suas fraquezas.》( União dos Palmares, Est. De Alagoas, 23 de Abril de 1893** - Rio de Janeiro, Gb, 15 de Novembro de 1953.)
BIBLIOGRAFIA: XIV Alexandrinos; Poemas; Poemas Escolhidos; Tempo e Eternidade; Invenção de Orfeu; etc.
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(**) Ver Antônio Rangel Bandeira, Op. eit., pág. 16.
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2-15. Exemplos de anadiplose: “... este meu corpo, /este meu corpo...” – “E esta luz, /esta luz que...”.
5-18-23. “Para onde foram as minhas rugas?! / Esconderam-se as rugas”; “Se não estivesse tão calmo, teria medo, / muito medo...”; “Mas, a memória!?/Oh! Memória”. Exemplos de epífora: “Nome dado à FIGURA que resulta quando se repete a mesma palavra ou frase no fim de vários VERSOS...” (Geir Campos, Op. Cit)
7-8. Aonde - onde. Cf. nota n° 72, pág.141.
21. Refere-se o poeta à possibilidade que tem o Espírito de se locomover pela volitação.
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29-36. Exemplos de anáfora: “ ah! Se eu pudesse!” e “Lá vai...”
32. Atende-se na hipérbole.
Livro: Antologia dos Imortais - Francisco C. Xavier e Waldo Vieira
 

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