20.6.21

Emancipação do Povo

Quando vejo autoridades eminentes dizerem que para resolver o problema de alimentação dos pobres brasileiros devemos exportar as sobras das comidas dos mais abastados fico, literalmente, horrorizado.
Com esta atitude, não apenas estamos dizendo da nossa incompetência em repartir melhor as riquezas geradas pela terra, como também o nosso desprezo pelo irmão de caminho.
Como pode alguém, no alto de seu cargo, dizer que os mais pobres deveriam comer os restos dos mais ricos?
Não pode ser assim. Esta declaração ou este pensamento representa o cúmulo do atraso moral de uma sociedade que não soube repartir equitativamente os seus recursos naturais.
Falando de um País como o Brasil esta declaração parece mais um escárnio.
Eu sei da boa intenção no princípio dessas palavras, mas elas embutem uma carga enorme de preconceito e desprezo.
É como se dissesse assim: “Eu, rico, posso tudo. Você, pobre, que nada tem, se sirva do que eu não quero mais. É isto o que você vale”.
Isto representa o antagonismo da fraternidade – em vez de parecer uma preocupação com o outro.
Há algum tempo, afirmei que a sociedade se vangloria em dizer-se próspera pela quantidade de bens que possui e não pela quantidade de benesses que distribui. Isto ainda é absolutamente válido.
Não quero dizer com isso que não é válido para o rico poder usufruir livremente da sua riqueza, sobretudo quando ela foi bem construída, o que chamo a atenção é para que criemos, todos nós, uma sociedade mais justa, mais igualitária e mais fraterna.
Devemos atacar o problema pela causa e não pela consequência. Todos sabemos que as raízes do atraso no Brasil não são de hoje. Criamos uma estrutura extremamente escravocrata e dividida. Poucos ricos e muitos pobres desde a sua origem. Este quadro mudou pouco e abastece um sistema capitalista usurpador do direito de liberdade e de dignidade de viver.
O pior é que maioria se acostumou com este modelo desigual e somente o faz alimentá-lo, nada faz para aboli-lo. Parece que passou a fazer parte da paisagem natural do nosso lugar e da nossa gente.
Por que não investir nos pobres para eles deixarem de ser pobres?
Por que não dar a eles dignidade de acesso às coisas mínimas para viver bem?
Por que não criar uma sociedade sustentável no bem para todos e não apenas para uma minoria privilegiada?
Este sistema injusto que vivemos, de prioridade para os ricos e de desleixo para os pobres, definitivamente não representa o modelo de uma sociedade cristianizada.
Afirmo isso várias vezes e continuarei a insistir que o problema não está na distribuição, mas na incapacidade de promoção dos homens para que eles possam, por sua liberdade e capacidade, angariar dos frutos da sua conquista.
O que lembro como solução é desenvolver a capacidade de emancipação de nosso povo e não de seu aprisionamento, de modo a se contentar com as migalhas distribuídas das mesas dos ricos.
Não tendo a capacidade de mudar o status quo, apela-se para uma falsa caridade e repete-se, desse modo, a prática de dependência utilizada há séculos.
Eu vejo com olhos muito nítidos que essa realidade, infelizmente, ainda prevalece no conjunto da nossa sociedade. É como se uma casta poderosa dissesse assim: “Nós podemos, mas vocês nasceram para sofrer”. Abominável mentalidade.
Mudemos essa realidade já!
Busquemos a emancipação definitiva de nosso povo e somente vejo essa possibilidade pela oferta abundante de uma educação de qualidade e que promova as pessoas para a sua melhoria individual e coletiva, integrando-as ao todo social num grande projeto redencionista para a nossa nação.
Quando vejo a preocupação dos governantes em dar um pouco mais de esmola, vejo que falimos na nossa capacidade de deixar essa imensa nação na condição de espelho de justiça social para o mundo.
Haveremos de mudar, isto não tenho qualquer dúvida, e um dia escutaremos alguém da alta patente do governo dizer: “Acabamos, de uma vez por todas, com os programas de assistência social, porque nosso povo, altivo e emancipado, possui todas as condições para buscar o seu sustento com dignidade e força. Somos, finalmente, uma nação feliz e justa.”
Esse dia chegará, meu povo, ah! se chegará...
Helder Camara - Blog Novas Utopias

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